Em meio ao acirramento da crise econômica internacional, com perspectivas no mínimo pouco otimistas para a economia de diversos países europeus, o Brasil consegue oferecer um panorama razoável, para os próximos anos. Esse otimismo relativo deve-se em grande parte aos investimentos previstos em nosso país para esta década, com ênfase nos preparativos do país para a Copa 2014 e para a Olimpíada 2016, e na exploração da camada do pré-sal, especialmente.
Essas oportunidades — raras na história de nosso país, diga-se — podem ser desperdiçadas por uma combinação de fatores negativos, principalmente devido à falta de planejamento e à insuficiência do governo na gestão de programas de infraestrutura, como acontece com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em suas diversas áreas. Os números apresentados pelo mais recente balanço do PAC2 divulgado pelo governo federal dizem que foram investidos R$ 324,3 bilhões nos últimos 18 meses, 34% do total previsto para ser aplicado pelo programa em obras de infraestrutura no período 2011-2014. Parte desse total, destinado a grandes obras de infraestrutura, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, tem horizonte superior a 2014. O problema, no entanto, está não no que é dito mas principalmente no que não é revelado pelo governo. Os números, neste caso, mais ocultam do que mostram o centro dos problemas.
Em relação à mobilidade urbana, por exemplo, das 35 obras que deverão ser feitas nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, somente oito já tinham contrato para execução assinado até outubro de 2011. Dessas, apenas em quatro obras o primeiro desembolso havia sido feito pela Caixa Econômica Federal, enquanto três tinham licitações em andamento e 24 não haviam iniciado sequer os processos licitatórios. Em abril passado, a informação da Caixa Econômica Federal ao Tribunal de Contas da União (TCU) reportava que, apesar de faltarem apenas quatro operações pendentes de contratação, somente oito já tinham desembolso efetuado, o que equivale a 5% do total previsto. Durante audiência pública em abril com o ministro do TCU Valmir Campelo, a assessoria da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados divulgou dados baseados em informações da Corregedoria-Geral da União (CGU) e dos ministérios do Esporte e das Cidades. Segundo esse levantamento, do total de investimentos em mobilidade urbana para a Copa, foram contratados R$ 2,7 bilhões (22%) e executados (efetivamente utilizados) R$ 698,03 milhões (5,64%). Para a Copa das Confederações, que acontecerá em julho de 2013 em seis capitais brasileiras, provavelmente apenas Belo Horizonte conseguirá concluir os dois corredores de BRT (Bus Rapid Transit) previstos no plano de obras da capital mineira para a Copa.
Sabemos também que há algumas décadas os especialistas em saneamento afirmam que o Brasil precisa investir cerca de 10 bilhões de dólares ao ano para resolver essa questão essencial. O penúltimo balanço do PAC, porém, mostrou que, das 114 obras de saneamento listadas no programa, apenas oito (7% do total) estavam em execução no início de 2012. E saneamento é básico para a sustentabilidade, que em essência representa a capacidade de as gerações atuais utilizarem os recursos naturais de forma a não comprometer sua utilização pelas gerações futuras.
A esses problemas somam-se os relacionados à defasada infraestrutura aeroportuária brasileira, cujos atrasos no cronograma levaram o governo a recorrer aos Módulos Operacionais Provisórios (MOP) como alternativa à falta de planejamento consistente e de contratação de projetos completos de qualidade; acrescentem-se as falhas constatadas no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que há três anos contratou projetos por preços e prazos inexequíveis, e que, em virtude dessa falha de origem, levou à paralisação todo o cronograma de obras estabelecido na autarquia e à necessidade de contratação de novos projetos.
O conceito-chave é planejamento, em vez da improvisação e falta de gestão que há anos caracterizam a maioria das ações do governo. O planejamento consistente é desenvolvido com vários anos de antecedência. Baseado em estudos técnicos, consegue definir os empreendimentos públicos prioritários para resolver as carências de infraestrutura do país, dos estados e dos municípios. A gestão competente, baseada no planejamento, contrata projetos executivos (completos) de arquitetura e engenharia pela modalidade de melhor técnica e preço justo, independentemente da construção, com a necessária antecedência para que o projeto seja bem desenvolvido, com recursos de tempo e remuneração para realizar os levantamentos topográficos e cadastrais, sondagens de subsolo e ensaios geotécnicos, entre outros, para embasar a definição das melhores soluções técnicas para aquela obra específica. Os projetos de arquitetura e de engenharia especificam e definem o produto final — a obra, o equipamento — e, portanto, são elementos-chave para a contratação da construção. O projeto completo de arquitetura e engenharia carrega em si o DNA, o genoma do produto ou do empreendimento a ser construído. Ele é, assim, estratégico. Não existe técnica construtiva que corrija deficiência genética, ou seja, uma boa construção não consegue corrigir os efeitos de um mau projeto.
O governo federal, porém, em vez de partir de um planejamento consistente, seguido de gestão rigorosa, com a contratação de projetos executivos, completos e independentes da construção, pelos critérios de melhor técnica e preço adequado, como fazem o BID e o Banco Mundial, busca atalhos que podem levar a situações ainda piores do que a atual no país. A ausência de planejamento e gestão tenta ser driblada com o recurso ao Regime Diferenciado de Contratações (RDC), teoricamente destinado a agilizar a contratação de obras, e, através de pregão, gerar o menor preço.
Após esse atalho, o governo busca outro desvio, que é o de tentar jogar nas costas das empresas de projeto brasileiras as consequências da sua falta de planejamento, sinalizando que pretende contratar empresas estrangeiras de projeto como alternativa “à falta de disponibilidade das firmas brasileiras de projeto de atender à demanda”.
A proposta de trazer empresas estrangeiras de projeto poderia ser útil ao país se fosse feita com a obrigatoriedade de formação de consórcios com empresas brasileiras. Assim, poderia haver transferência de conhecimentos e tecnologia, que são fatores-chave para a competitividade internacional do país.
A realização da Copa do Mundo da Fifa de 2014, dos Jogos Olímpicos de 2016 e da exploração da camada do pré-sal de petróleo, entre outros vultosos investimentos previstos para os próximos anos em nosso país, podem contribuir para um avanço geral do país, nas suas diversas áreas. Mas, sem a cultura do planejamento, da valorização da inteligência e do conhecimento dos profissionais brasileiros de projeto, pode haver apenas um crescimento conjuntural, e não estruturalmente sustentado e de caráter duradouro. Em outras palavras, seria o equivalente, numa competição esportiva, a ganhar algumas partidas, porém perdendo o campeonato. Uma autêntica vitória de Pirro.
*José Roberto Bernasconi, presidente da regional São Paulo do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco), é coordenador para Assuntos da Copa 2014 da entidade.