No shopping, Sara desfrutou emoções. Visitou lojas, tomou um drink e encontrou uma velha conhecida. Fez compras “a preço de custo”, “bebeu socialmente” e recebeu um abraço do tipo: “você está mais magra”. Esta última emoção foi provocada pela amiga Laura com um piscar de olhos e duas sobrancelhas levantadas. No estacionamento, Sara contemplou o reflexo de sua silhueta nos vidros do carro e suspirou: “Como as pessoas mentem”!
Por que mentimos? Não foi precisamente esta a interrogação inspiradora do italiano Carlos Collodi ao criar Pinóquio. Sem se dar conta, sua magia foi esculpir uma caricatura divertida da essência humana, um homo sapiens que sabe, um homo fallax, que engana.
A mentira ou a verdade são comportamentos aprendidos e preservados pelos efeitos germinados. Ganho gerado, comportamento reforçado e aprendido. A mentira mostra-se apta a remover ou adiar uma consequência desagradável. O mestre Geppetto dizia a seu filho Pinóquio: “Seja sincero, fale a verdade, não minta. Se você mentir, seu nariz vai crescer”. Pais dizem isso a seus filhos. Podemos então viver sem mentir?
Queremos impor nossos interesses, aspiramos a ser bem vistos. A biologia nos ensina que a vida social em suas hierarquias e enredos relacionais trouxe ao mundo a mentira. Até mesmo grupos primatas que vivem em bando adquirem a habilidade de dissimular — coisa que fazem por comida e parceiros sexuais. Na ciranda do mundo social, não passamos 24 horas sem expressar algum tipo de mentira. “Puxa, que deliciosa a sua comida!”. “Não quero mais saber de homem”. “Nossa, tenho tanta coisa pra fazer, podemos nos falar outro dia?”. “Sua presença aqui é muito importante”. “Que simpático seu irmão”.
Se estas mentiras parecem claras, as pessoas não se dão conta de sua existência. Nem tudo é simples como aparenta a série de televisão Lie to me. O psicólogo Paul Ekman explica que as microexpressões faciais da mentira duram menos de um quarto de segundo. Para o consultor da série e diretor do Laboratório de Interação Humana de San Francisco, isso representa instantes fugazes em que o semblante revela emoções verdadeiras. Tais movimentos são apenas sugeridos, deixando-se reconhecer na maioria das vezes apenas em câmera lenta.
A psicóloga americana Bella DePaolo, da Universidade de Virginia, em cerca de cem estudos sobre o desmascaramento da mentira, revela que antes de começar a refletir de modo preciso e demorado sobre se alguém está ou não mentindo, é melhor recorrer a um cara ou coroa. Contrariando esta regra, o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan, numa ocasião, frustrou-se com um grupo de indivíduos que gargalharam a um discurso que proferiu. Descobriu-se que eles tinham em comum uma lesão no hemisfério esquerdo do cérebro, dano este que faz a pessoa compreender palavras isoladas, mas não o sentido de frases inteiras. São os chamados afásicos. Comprovou-se mais tarde que o político estava sendo falso. Pesquisas de Ekman com afásicos revelaram que eles conseguem diferenciar a verdade da mentira em 60% dos casos.
Se a sua amiga não for a Sara deste artigo, é possível que você a convença de que ela não engordou, mesmo que exiba uma certa protuberância na altura do abdome. Também é factível que seu chefe goste de ouvir você falar que adorou a atividade (horrível) que ele lhe passou. Determinadas mentiras sociais, sem o jugo da malícia ou do sarcasmo podem ser essenciais para evitar conflitos. Você já imaginou sua vida se você dissesse o que pensa? “Meu bem, você virou um canhão”. Não lhe importaria a tristeza do outro, não haveria o afeto, apenas seu eu, um autêntico servidor do egocentrismo extremo. Seria necessário repensar a vida que, como diria Charles Chaplin, “é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”!
* Reginaldo Daniel da Silveira, psicólogo, é mestre e doutor, além de coordenador de ´pós-graduação em psicologia clínica e psicologia jurídica das Faculdades Integradas do Brasil (Unibrasil).