Nunca vi Brasília tão verde. Nunca vi a verde Porto Alegre tão feia.
O avião vai baixando em Brasília, diminuindo a velocidade. Olho pela janela. Como Brasília está verde! Verde como nunca. Bosques, plantações de milho, pastagens. Dá um choque nos olhos. Tudo vivo, tudo reluzente. Nem parece a Brasília de dois meses atrás: grama e vegetação secas, amarelas, parecendo mortas. As chuvas dos últimos tempos, próprias deste período do ano, fizeram um bem danado à secura do final de 2015.
Saio de Florianópolis no sábado, dia 30 de janeiro de 2016, para o Rio Grande do Sul, últimos dias de férias. Ligo o rádio e só então vou saber da tragédia da noite anterior em Porto Alegre, a capital dos gaúchos. Um temporal, um tufão, um tornado, não se sabe ainda bem o que foi, quase destruiu a verde Porto Alegre, considerada a ou uma das cidades mais arborizadas do Brasil. Tem a rua Gonçalo de Carvalho, considerada a mais bonita do mundo, ladeada de árvores, e agora, depois do temporal, um rastro de destruição.
“Minha rua é um túnel verde’, escrevi em 2012: “Conhecida por sua arborização, Porto Alegre deu um passo em direção a uma proteção mais rígida de seus túneis vedes, expressão tipicamente local que identifica a cobertura, de um lado a outro, de vias por copas de árvores perpassadas. A medida contempla 72 logradouros que se tornarão áreas de uso especial e não poderão sofrer intervenções capazes de alterar sua paisagem. Disse o vereador Betto Moesch, autor da lei dos túneis verdes: “Porto Alegre pode chamar a atenção dos seus turistas daqui para frente dizendo que é a cidade das praças, dos parques e dos túneis verdes.”
Falo sobre minha rua no artigo,declarada túnel verde: “A rua Tomaz Flores termina numa lomba. Quando entro por ela, descendo em direção à minha casa, um mar de galhos de grandes árvores cobre todo seu leito dos dois lados. Em tempos de sol, um misto de claridade e sombra atravessa os troncos e ‘ilumina’ a rua. São árvores de décadas e dão um ar de tranquilidade e paz a seus moradores e transeuntes. É como se eu entrasse num bosque, olhasse para o céu ou ao redor e visse folhas balançando, silêncio de primavera, um ronronar de vento e brisa.”
Na viagem, fico pensando sobre como estará minha rua e o Parque da Redenção, onde começa a Tomaz Flores, e palco, há duas semanas, do Fórum Social Temático, do Fórum Social de Educação Popular, de várias tendas, como a Tenda Paulo Freire. Debaixo das árvores, na sombra, sentados na grama, jovens, educadores/as populares, acadêmicos/as, militantes sociais debateram a construção de um outro mundo possível. As árvores serviram de proteção ao calor e ajudaram a arejar o pensamento. A grama foi descanso, simplicidade e abertura ao diálogo cúmplice, ao sentar-se uns ao lado das/os outra/os, companheiras, companheiros.
Chego em Santa Emília, Venâncio Aires, casa de mamãe: háfalta de chuva, estátudo seco, o mano Marino, agricultor familiar, dizendo que fazia tempo que não via um pé de milho crescendo, o pendão aparecendo, mas nada de espiga. Sábado, final de tarde, uma chuva mansa começa, continua até a metade de domingo, abençoando o chão e a vida. Como é a natureza!
Finalmente, aporto em Porto Alegre, final da tarde de domingo, 31 de janeiro. Medo de chegar e ver a destruição. Olho a Tomaz Flores. Galhos por todos os lados, sujeira, pedaços de madeira. Felizmente, nenhuma árvore caiu. A vizinha de porta conta que a energia tinha voltado há duas horas e ela fora visitar o Parque da Redenção. Chorou. Era como se um terremoto tivesse passado por cima de tudo: árvores no chão, sujeira, destruição total. Tristeza na alma e no coração.
O taxista, que me leva ao aeroporto de Porto Alegre segunda de madrugada, comenta: A natureza se vinga. Sempre dá sua resposta aos desmandos dos homens e à sua falta de cuidado.
Lembro do Papa Francisco e de sua proposta de ecologia integral, na Encíclica Laudato Si’: o Cuidado com a Casa comum.
Os túneis verdes de Porto Alegre estão de luto. Mariana, Minas Gerais, e seu rastro de destruição se espalhando. Porto Alegre agora. Sinais dos tempos. Hora de repensar muitas coisas: o consumismo, os cuidados com a natureza, os valores do cotidiano, o projeto de desenvolvimento. Construir um outro mundo, não só possível, mas cada vez mais urgente e necessário.
* Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã
Secretaria Nacional de Articulação Social
Secretaria de Governo da Presidência da República