Nos dias que precederam o impeachment da ex-presidente Dilma, justificando a medida que lhe presentearia com o governo, a pretexto de punir corriqueiras pedaladas fiscais, o presidente Temer fez pregação correta que não teria capacidade de cumprir. “Alguém precisar ser capaz de pacificar e reunificar o país”. Se ela não foi, ele, muito menos. Mas já não importa, porque será de todos, e sobretudo do futuro presidente, o desafio de pacificar um pais que, tal como indicado pelo atentado contra o candidato Bolsonaro, segue marchando para a radicalização e a cisão, vizinhas da barbárie.
O tom moderador prevaleceu nas últimas horas mas ainda que a fervura da campana baixe, as brasas continuarão ardendo sob as cinzas, a divisão que os candidatos expressam continuará existindo no interior da sociedade, os rios de ódio continuarão correndo, se não forem contidos na fonte. Para o próximo presidente, pacificar o país será uma tarefa tão importante como a superação da crise fiscal e da estagnação da economia, com todas as suas consequências, como o desemprego, a queda na renda e a precarização de serviços públicos essenciais, como saúde e educação.
Do hospital, Bolsonaro recomendou moderação aos dirigentes da campanha e que transmitam seu pedido à militância. Pediu um tom mais ameno nos comentários sobre o próprio ataque. Seu vice, general Mourão, na primeira hora declarou não ter dúvidas de que o PT era o autor do atentado. Ontem, ele foi um dos encarregados de transmitir o pedido de moderação, que não garante a reação dos seguidores de quem chamam “mito”. A temperatura é alta nas redes sociais. Eles acusam o PT enquanto ativistas de esquerda questionam a autenticidade do atentado. Praticado por um esquizofrênico, eleitoralmente ele favorece a vítima e mais prejudica Alckmin (concorrente no campo da direita) e o PT, que mesmo sem Lula tem grandes chances de levar Fernando Haddad ao segundo turno.
Os concorrentes já estão ajustando seus discursos e agendas ao ambiente traumático, que infunde temor e exige cuidado. E quem mais teve que se adequar foi Alckmin, que vinha movendo campanha negativa contra o ex-capitão. Agora, vai apenas questionar o preparo dele para governar. Uma campanha mais suave, entretanto, não significará a pacificação.
A divisão, a intolerância e o sectarismo já existiam antes, mas se acentuaram depois da eleição de 2014, quando o senador Aécio Neves não aceitou a vitória de Dilma. Presidindo o PSDB, contetou o resultado no TSE e estimulou a pregação do impeachment antes mesmo da segunda posse dela. A pacificação, agora, começará pela aceitação do resultado. Ainda mais se o segundo turno for entre as forças mais antagônicas, vale dizer, entre Bolsonaro e o petista Fernando Haddad. Se não formos um país capaz de respeitar a regra da alternância no poder, não estaremos preparados para a democracia. E se conciliação foi impossível quando a polarização era entre PT e PSDB, mais difícil será agora, com o espectro ideológico mais fragmentado e o surgimento de uma extrema-direita raivosa. O desafio será de todos, não só do futuro presidente. Este será, por sinal, tema do discurso de posse do ministro Dias Toffoli na presidência do STF, no dia 13. O Judiciário, assim como o MPF, têm parte da culpa. Deixaram a Lava Jato virar inquisição e ajudaram a demonizar a política.
A herança de Temer tudo dificultará. A briga sempre aumenta quando falta pão. Além do déficit primário de R$ 139 bilhões, o orçamento proposto para 2019 traz buracos enormes na área social; os recursos da Previdência são suficientes para bancar aposentadorias apenas até agosto. Faltam R$ 200 bilhões, além de outros R$ 30 bilhões para o BPC, o benefício continuado para idosos sem renda e deficientes. E dos R$ 30 bilhões necessários à continuidade da Bolsa-Família, só estão garantidos R$ 15 bilhões. Pacificar um pais quebrado, empobrecido e disposto à guerra é um grande desafio. É preciso pensar nisso.