O dólar fechou ontem a R$ 4,197, a maior cotação desde a criação do Real, porque o mercado sabe ler. E entendeu que, faltando três semanas para a eleição, o que temos hoje é uma vaga garantida para Jair Bolsonaro e uma outra sendo disputada por dois candidatos de esquerda, Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT). E sabe o mercado que Bolsonaro perderia, dizem as pesquisas, para um e para outro. Depois de dar umas pancadas no petista, Ciro ontem admitiu que irá apoiá-lo se ele é que chegar ao segundo turno. Fugindo à autossuficiência petista, Haddad faria bem em proclamar que a recíproca é verdadeira.
Bolsonaro tem vaga certa porque consolidou o apoio de quase um quarto do eleitorado. Na última pesquisa Datafolha obteve 24% de preferência e 74% de seus apoiadores disseram estar decididos a votar nele.
Então, salvo algum imprevisto que altere bruscamente o jogo, coisa que a facada em Bolsonaro não produziu, a pregação de voto útil do candidato tucano Geraldo Alckmin – o voto nele, no primeiro turno, “para evitar a volta do PT” - soa como um esforço inútil. Ele precisaria de um fermento raro que o fizesse crescer e ultrapassar, em tão poucos dias, Marina, Ciro e Bolsonaro, para enfrentar o petista na rodada final. Neste momento Alckmin torce para que Haddad cresça e ao bater no PT está contribuindo para isso.
A clivagem da sociedade brasileira, a polarização ideológica aguçada a partir de 2013, é que projeta um segundo turno à sua semelhança, entre um candidato de direita e um de esquerda. A centro-direita que fez o impeachment não conseguiu apresentar um candidato competitivo e foi suplantada pelo ex-capitão de extrema-direita. Alckmin abusou do cinismo ontem ao dizer que “o PSDB não tem nada a ver com o governo” de Temer, campeão de rejeição. Vai acabar sendo alvo de outro vídeo de Temer, lembrando-o da sociedade que fizeram para derrubar Dilma e ficar com o governo. O voto útil antipetista acaba sendo mesmo a última arma que lhe resta mas ela é neutralizado pelos pecados tucanos, como a ligação com Temer e seu desastre econômico ou as implicações de aliados na Lava Jato.
Ciro cresceu nos últimos dias mas agora está em curso a audaciosa operação do PT para convencer o eleitorado de que Haddad é Lula. O instituto Vox Populi divulgou pesquisa afirmando que ele já assumiu a liderança. Teria 22% e Bolsonaro, 18%. A pesquisa é vista com reservas porque contratada pela CUT mas, seja como for, o mercado está se preparando para uma eventual vitória da esquerda.
Novo tempo no STF
Longe se vão os tempos em que o Judiciário vivia numa redoma. Posses de ministros e de presidentes do STF atraíam apenas as mariposas do poder : parlamentares, autoridades do Executivo e do Judiciário, advogados e assemelhados. A posse dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, como presidente e vice-presidente do Supremo e do CNJ, aconteceu ontem em duas raias. Lá dentro, os convidados, acomodados em diversos salas e salões, pois que o plenário era pequeno para tanta gente ilustre, os homens com suas mais vistosas gravatas, as mulheres numa rigorosa e adequada elegância. Lá fora, uma boa aglomeração de militantes de movimentos sociais e sindicais, brandindo uma vasta pauta de reivindicações. Mais poderoso, o STF caiu na boca e na mira do povo.
Fora isso, foi uma das posses mais concorridas e cerimonialmente organizadas que já vi. O ministro Barroso saudou os empossados destacando suas virtudes pessoais. A PGR Raquel Dodge mal falou deles, preferindo louvar o papel da Corte. Toffoli, em seu discurso, transitou em citações que foram de Hannah Arendt a Cora Coralina, de Cazuza a Renato Russo, sinal de ecletismo e sintonia com seu tempo. Exorcizou o ódio, louvou a democracia, saudou as eleições e defendeu um país melhor. Tido como conciliador e agregador, pretende pacificar a corte e vencer a beligerância interna. Mas a grande interrogação é se Toffoli, preservando o papel constitucional do STF, será capaz de conter o abuso de poder dos togados, em todos os níveis. Ontem mesmo ele deu uma cotovelada em Sergio Moro.