No início dos anos 60, a campanha urdida pelos udenistas, liderados por Carlos Lacerda, assombrava o país com o medo do “comunismo” e denúncias de desvios e corrupção. João Goulart seria um corrupto insaciável e Juscelino Kubitscheck, que morreu pobre, teria ficado milionário com a construção de Brasília, beneficiando seus amigos. Com ressonância na mídia, essa campanha martelava ininterruptamente na cabeça dos brasileiros. Eu, menina, com 11, 12 anos, lembro-me do medo que se tinha do tal “comunismo”. Os comunistas viriam para interromper nossos sonhos individuais de prosperidade e casa própria. Eles entrariam em nossas casas, nos destituiriam de nossos bens, e os pobres “ficariam com tudo nosso”. Era assim que os golpistas de então botavam terror no povo brasileiro. Eleito, o udenista Jânio Quadros - um descompensado que deu provas disso desde o período eleitoral - quis dar o golpe, não conseguiu, renunciou, jogando o Brasil em 20 anos de ditadura militar. E a UDN? E Lacerda? Foram jogados pra escanteio, tiveram que se comportar como sabujos lambe-botas para sobreviver.
Lacerda foi cassado. Os políticos, alijados dos cargos e da vida pública. Assim acontece quando há uma ruptura constitucional, quando as leis passam a, em vez de serem cumpridas, obedecer a “interpretações” subjetivas, a serviço de conveniências outras. Perde-se o controle, e quem se impõe não são os agentes da desestabilização. Estes, golpeiam, mas não levam. No Brasil, prevaleceram os que melhor interpretaram o medo coletivo do “comunismo”, oferecendo como alternativa a repressão violenta. Os militares.
E não havia, naqueles anos, uma empresa no Brasil, um negócio, uma portinha, que não precisasse ter em seus quadros um militar para poder se manter aberta. Caso contrário, eram só dificuldades. Fiscais multavam indevidamente, burocratas emperrava os processos. E se o empresário em questão tivesse algum tipo de ligação com governos anteriores, de Getúlio, Goulart e JK, estava fadado à perseguição e à falência.
A comunidade rejeitava qualquer pessoa ligada, mesmo que remotamente, a partidos políticos demonizados, como o PTB e o PSD. Muitas delas foram presas e perseguidas. Os partidários do PCB - Partido Comunista Brasileiro - foram presos e eliminados. Como Alberto Aleixo, irmão de Pedro Aleixo, vice-presidente de Artur da Costa e Silva. Alberto era um idealista, editava o jornal de esquerda Voz Operária. Em 1975, foi preso e morreu em consequência das torturas. Pedro soube de sua prisão, mas, mesmo com tantas credenciais, nada pode fazer pelo irmão.
No país, estabeleceu-se o terror. Hoje, os revelados documentos de Estado norte-americanos da época acusam o Brasil de ter praticado o “terrorismo de Estado”. A contrapropaganda era usada à exaustão e com sucesso. Então, terroristas não eram os que sumiam com as pessoas, as encarceravam, torturavam e matavam. Eram os jovens idealistas, que, quando muito, se defendiam com “coquetéis molotov” - uma garrafa e um pavio. “Subversivo” era todo aquele que pensasse diferente do poder. A qualquer denúncia anônima, agentes do Dops invadiam residências, vasculhavam tudo, e bastava encontrarem um livro de economia de Celso Furtado para a família inteira ser presa como agitadora. E as consequências, imprevisíveis. Não se sabe se sairiam vivos. Quem duvidar que duvide, mas era assim.
O terror de Estado, as violências, torturas com crueldades inimagináveis, ensinadas por especialistas importados dos EUA e até da França - estes últimos financiados por empresários de extrema direita, dos quais alguns se compraziam em assistir às sessões de tortura. Uns doentes.
Todos tinham medo de todos. A filha de um síndico da Base Aérea do Galeão relata o medo que os próprios oficiais tinham do comandante, brigadeiro Bournier, considerado um descontrolado, com sangue nos olhos e o poder nas mãos. O brigadeiro dos “voos da morte”, em que pessoas eram jogadas ao mar, e com o requinte das pernas quebradas. Caso sobrevivessem, não poderiam nadar.
Este era o Brasil. Sobreviviam os que baixassem a cabeça, não vissem, não escutassem, não comentassem, num perpétuo “jogo do contente”, que durou duas décadas. Mesmo em casa, ninguém podia conversar com franqueza, com o risco de algum empregado ou visitante escutar e denunciar. “Dedurava-se”, delatava-se, caluniava-se a três por dois, qualquer desafeto que atravessasse o caminho. O marido ciumento entregava como “subversivo” o vizinho, de quem desconfiava estar cortejando sua mulher. Sei de um caso em que o vizinho foi levado para averiguação e nunca retornou. Este era o cotidiano brasileiro.
Eram as pessoas soturnas, com seus coturnos, que oprimiam a liberdade de todos. Quem as desagradasse era “excomungado”, tornava-se um “degradado social”, mesmo se não fosse preso. Ninguém queria lhe falar, atender seu telefonema. Atravessavam a calçada. Ser covarde era um mérito.
Estudantes foram impedidos de frequentar escolas e universidades. A censura veio rigorosa e extremamente ignorante. Hoje, fazem piada dos exageros dos censores. Peças de teatro tiradas de cartaz. Novelas da TV tinham vários capítulos inteiros reescritos. Livros, como “Capitães de areia”, de Jorge Amado, e “Tarzan”, de Edgard Burroughs - aquele mesmo, o Tarzan da Chita - eram proibidos com a pecha de “comunista”. Em sua sanha perseguidora, os censores viam cabelo em ovo. As canções falavam por metáforas, para refletir o sentimento do artista e as angústias do povo.
O lema “Ame-o ou deixe-o” estava em plásticos colado às janelas dos automóveis, como um salvo-conduto para os motoristas. E tantos “deixaram”, forçados ao exílio como mecanismo de sobrevivência. Essas memórias são feridas que nunca param de sangrar.
Hoje, em véspera de eleição, momento crucial em que a preocupação geral é a segurança, os telejornais a enfatizam, como agentes provocadores de intimidação dos brasileiros. Apavorados, os cidadãos só enxergam seu pânico, alheios a qualquer perspectiva positiva. E ações extremas passam a ser única opção. Uma sociedade manipulada, não só pelos fatos, mas sobretudo pelo noticiário, que potencializa os temores de cada um. Nenhuma brecha para fatos construtivos. É esse o projeto político da grande mídia? Incendiar o país? Plantar a discórdia? A insegurança generalizada?
Esse medo coletivo fortalece a posição de candidatos sem qualquer capacidade ou preparo para exercer as funções de Presidente da República Federativa do Brasil, em que a segurança é fator importante, mas não único. E a educação? E a habitação? E o saneamento básico? E a retomada do desenvolvimento estagnado da Nação brasileira? E a engenharia brasileira, fundamental para o desenvolvimento e a multiplicação de empregos, desde a mão de obra não especializada ao engenheiro? Onde se quer chegar? Entregar a Nação a um despreparado? Ou a outro que já tenha mostrado competência? Qual o Brasil que queremos?
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Na pedra do Country Club
Impasse no Country Club. Na última quarta-feira deste mês, quando se reunirá o Conselho do Clube para decidir sobre o ingresso de novos sócios, estará em pauta um único candidato, há um mês na pedra: Samuel Barata, empresário de sucesso do setor de transportes, ônibus coletivo, irmão do magnata Jacob Barata, tio de Jacob Filho, no momento na prisão.
Quem o conhece diz que Samuel Barata é um senhor simpático e amável, com 90 anos, por sinal morador do prédio ao lado do clube, na Vieira Souto.
Contudo, quando adquiriu, por cerca de 400 mil reais, o seu título, Samuel foi alertado pelo presidente anterior, Francisco Gros, que não se candidatasse, pois, as perspectivas de aprovação seriam nulas.
Agora, sendo presidente Pedro Salgado, apesar de ser de novo desaconselhado, Samuel decidiu arriscar a apresentação da proposta. Segundo diz, “está muito velho” para esperar, e que pretende frequentar o clube “apenas pra jogar um carteado”.
Como agravante, ao preencher o formulário em que poderia relacionar 20 sócios que o apoiariam, escreveu apenas quatro nomes. Um dos supostos proponentes declara que mal o conhece, apenas foram apresentados numa festa. Outro dos quatro é um sócio, filho de sócio, do qual Samuel escreveu, entre parênteses, o apelido: Brigitte. O que, segundo antigos critérios do Conselho, não credenciaria.
Eu, se fosse o Samuel, vendia esse título de 400 mil e comprava um de 40, no Marimbás, o mais democrático e alegre clube da zona sul. Além de muito bem frequentado. E lá também rola um carteado superconcorrido.
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DELTAN DALLAGNOL, o procurador da República, fará amanhã uma palestra para o empresariado carioca na Associação Comercial do Rio de Janeiro. Salão lotado, casa cheia para ouvir o jurista falar sobre corrupção e os destinos da Lava-Jato. No entreouvido dos bastidores, uma dúvida: vai ter Power Point?
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Com João Francisco Werneck