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A eleição e as dinastias na política do Rio

Cientistas políticos não acreditam em renovação dos clãs nos poderes legislativo e executivo

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No mundo dos negócios, cada vez mais, empresas familiares são vistas com ressalvas. Em um segmento, porém, passar o escritório ou o “cliente” de pai para filho ou entre cônjuges se mantém como uma prática corriqueira, que costuma render bons dividendos. Políticos. No Rio de Janeiro, clãs se perpetuam no poder ao longo de várias gerações. Entra eleição, sai eleção, os mesmos nomes marcam presença na disputa pelos mais diversos cargos. E geralmente vencem. 

Em 2018, o quadro se mantém, mas com uma peculiaridade: vários chefes de clãs tradicionais estão presos ou impossibilitados de disputar a eleição. O que não significa que ficarão, de fato, de fora do pleito. 

Sérgio Cabral, Eduardo Cunha e Jorge Picciani, todos do MDB, são os casos mais notórios. O ex-governador do Rio de Janeiro  foi preso em 2016 sob suspeita de receber propina para fechar contratos públicos. O prejuízo é estimado em mais de R$ 220 milhões. Seu filho, o deputado federal Marco Antonio Cabral é candidato à reeleição. 

O ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha teria, segundo o Ministério Público Federal (MPF), patrimônio oculto de cerca de US$ 13 milhões, que podem estar em contas no exterior. Ele já foi condenado a devolver aos cofres públicos R$ 7 milhões. Sua filha mais velha, Danielle Dytz da Cunha, acredita que poderá usar o legado eleitoral do pai para conseguir uma vaga na Câmara dos Deputados.

O presidente afastado da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani foi preso acusado de ter recebido R$ 49 milhões da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado (Fetranspor). Seu filho Leonardo, ex-ministro do Esporte, é candidato à reeleição para deputado federal. Seu irmão Rafael é deputado estadual. 

Na mesma ação contra Picciani está o deputado Paulo Melo, acusado de ter recebido R$ 54 milhões em propinas. Sua mulher, Franciane Motta, ex-prefeita de Saquarema, vai disputar uma vaga para a Alerj. “Filhos e esposas herdarem negócios dos pais é um fenômeno típico de sociedade oligárquica, de mercado pouco competitivo, onde é forte a concentração de poder e riqueza”, afirma o professor e pesquisador Paulo Mesquita D’Ávila Filho, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O coordenador de graduação do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica PUC-Rio, Ricardo Ismael, identifica esses grupos como sendo profissionais da política. “Os caciques controlam os recursos do partido e o tempo de TV. Isso impede a renovação de líderes políticos que a sociedade está querendo. O resultado é que a população se frustra. Quem não faz parte da família ou é próximo do clã tem dificuldade para obter recursos para a campanha. Os novo líderes precisam se valer de seus apoiadores e mobilizar as pessoas para obter recursos. Esse quadro favorece a reeleição dos políticos”, observa. 

Nestas eleições, as novas regras para financiamento de campanha reduziram as formas de se obter verbas. O grosso dos recursos virá do Fundo Eleitoral, um total de R$ 1,7 bilhão, que deverá ser dividido entre as legendas. Cada partido administra como vai distribuir a bolada entre seus candidatos. Em campanha, a maioria faz questão de avisar para o eleitorado a que clã pertence. O apelido do ex-governador do Rio de Janeiro, Garotinho, virou sobrenome não apenas dele, mas da mulher Rosinha, também ex-governadora do Rio e ex-prefeita de Campos, e da filha Clarissa, deputada federal. O casal chegou a ser preso ano passado. Rosinha teve os direitos políticos cassados. Garotinho está na atual disputa pelo governo do Rio pelo PRP. Clarissa decidirá seu destino até o próximo dia 15 de agosto, prazo final para registro de candidaturas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Outro candidato ao governo do Rio, o deputado estadual Pedro Fernandes Neto (PDT), também faz parte de um clã político. Ele é filho de Rosa Fernandes (MDB), a vereadora mais votada nas eleições municipais do Rio de Janeiro em 2000.  Herdou o nome do avô, o deputado estadual com mais mandatos no Rio de Janeiro. Seu tio Dino, ex-deputado federal, brigou com a família. Foi preso em maio de 2006, junto com outros 11 ex-parlamentares, após ser acusado de participar de um esquema de compra de ambulâncias e equipamentos hospitalares para prefeituras a preços superfaturados, com dinheiro da União. 

Na disputa para a presidência do país, Jair Bolsonaro (PSL) está no sétimo mandato na Câmara dos Deputados. Eduardo, filho caçula, é deputado federal em primeiro mandato; Flávio, o mais velho, está no quarto mandato como deputado estadual e Carlos está no quinto mandato como vereador. “A tática das famílias é a construção de discursos parecidos. Um reforça o outro. Este ano, a competição se deslocou para o eixo conservador, o que não garante a qualidade de uma renovação. O novo pode ser pior do que o velho, porque o novo não é bom a priori”, afirma D’Ávila Filho. Na opinião do cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Michel Zaidan, o Rio de Janeiro “é um laboratório para entender o país”. Autor do livro “Teias do nepotismo”, ele observa que clãs estão espalhados por todo o Brasil. E muitos patriarcas chegaram a amargar grandes derrotas, nos últimos anos, o que, segundo ele, enfraqueceu os clãs, mas não o suficiente para afastá-los “do jogo”. “Houve um momento que chegou a haver esperança de renovação, mas isso se frustrou, em grande parte, pelas alianças, que é por onde a esquerda se perde. Os clãs se dão bem porque não têm problemas em compor com a barbárie. Esses grupos servem de instrumentos de controle social e de massa, então, podem ser funcionais e serem recrutados”, analisa Zaidan. 

D’Ávila Filho e Zaidan se mostram pessimistas em relação ao resultado das próximas eleições, quando se trata de surgimentos de novos atores na cena política. Na opinião de D’Ávila Filho, “estar ruim não signfica que não possa piorar”. Zaidan justifica seu pessimismo por perceber que há “aumento do voto neopentecostal e crescimento do neofascismo” no país. “Não há consenso democrático. Tudo hoje é culpa da democracia. Vivemos em subdesenvolvimento político, que é essa tradição de achar que uma pessoa vai salvar a pátria. A ordem do dia é evitar a barbárie. Um grande problema é a falta de união das esquerdas”, afirma Zaidan.

Ismael se nostra menos cético.  Ele concorda com Zaidan, quanto ao enfraquecimento dos grupos políticos tradicionais nos últimos tempos, mas, ao contrário dele, acredita que, atualmente, está mais difícil para os “filhos dos clãs” se elegerem. “Houve um avanço. Alguns nomes fortes estão fora, por conta de ações como a Lava Jato. Há mudanças em curso que estão enfraquecendo os grupos. Talvez demore para que aconteça uma renovação de quadros, porque a maioria ainda controla a máquina. É preciso que as pessoas fiquem mais atentas e não votem em nomes de grupos que fizeram barbaridades com o dinheiro público. A Justiça está fazendo a sua parte condenando essas pessoas. Se a sociedade não identifica candidatos com outros valores para votar, a sociedade vai retardar as mudanças. E não votar só vai favorecer o status quo”, analisa Ismael.

FAMÍLIA  COZZOLINO

Renato Cozzolino é ex-prefeito de Magé, bem como seus ?lhos Núbia e Charles. A ? lha Jane é ex-deputada estadual. Charles foi preso acusado de participar de um esquema de fraudes em licitações em prefeituras do estado, principalmente na aquisição de uniformes escolares. O montante desviado chegou a R$ 100 milhões. Núbia e Jane foram cassadas por corrupção. Núbia é mãe do deputado estadual Renato Cozzolino Neto (PRP).

FAMÍLIA  CRIVELLA

Candidato a deputado federal, Marcelo Crivella Filho é ?lho do prefeito Marcelo Crivella (PRB)

FAMÍLIA  BORNIER

O deputado federal Felipe Bornier (PSD) é ?lho do ex-prefeito de Nova Iguaçu e ex-deputado estadual Nelson Bornier.

FAMÍLIA  FREITAS

O vereador Rafael Aloísio Freitas (MDB) é ?lho do ex-vereador Aloísio Freitas.

FAMÍLIA  BOLSONARO

O patriarca Jair Bolsonaro está no sétimo mandato na Câmara dos Deputados. Eduardo, ?lho caçula, é deputado federal em primeiro mandato; Flávio, o mais velho, está no quarto mandato como deputado estadual; e Carlos está no quinto mandato como vereador. Todos no PSL.

FAMÍLIA  BRAZÃO

Domingos, ex-vereador, ex-deputado e ex-Tribunal de Contas do Rio (TCE-RJ); Chiquinho e Pedro, candidatos, respectivamente, a deputado federal e estadual, são irmãos. Em 29 de março de 2017, Domingos Brazão foi um dos alvos dos mandatos de prisão da Polícia Federal na Operação Quinto do Ouro, desdobramento da Lava Jato, que prendeu ainda outros quatro membros do TCE-RJ.

FAMÍLIA  BERGHER

A vereadora Teresa Bergher (PSDB) é mulher do já falecido Gerson Bergher, ex-vereador, ex-deputado estadual e prefeito em exercício do Rio de Janeiro.

FAMÍLIA  MAIA

Cesar Maia (DEM), ex-prefeito do Rio e atual vereador, é pai de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Em maio de 2018, Cesar Maia teve seus direitos políticos suspensos pela Justiça pelo prazo de oito anos. Condenado por improbidade administrativa, ele também deverá ressarcir os cofres públicos em R$ 3,3 milhões

FAMÍLIA  PICCIANI

Presidente afastado da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Jorge (MDB) é pai do deputado federal Leonardo Picciani, ex-ministro do Esporte e deputado federal candidato à reeleição, e Rafael Picciani, deputado estadual.

FAMÍLIA  MELO

Ex-prefeita de Saquarema e candidata a deputada estadual, Franciane Motta (MDB) é mulher do ex-deputado Paulo Melo, preso por corrupção.

FAMÍLIA  JAIRO

O deputado estadual Coronel Jairo (MDB) é pai do vereador Doutor Jairinho (MDB)

FAMÍLIA  CUNHA

Candidata a deputada federal, Danielle Dytz da Cunha (MDB) é ?lha de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, preso por corrupção.

FAMÍLIA  BRIZOLA

O ex-governador Leonel Brizola é pai do ex-deputado José Vicente Goulart Brizola e avô do vereador Leonel Brizola (PSOL) e seu irmão Brizola Neto (PDT), deputado federal e ex-ministro ministro do Trabalho e Emprego.

FAMÍLIA  TUTUCA 

O deputado estadual e ex-vereador de Barra do Piraí Gustavo Tutuca (MDB) é ?lho do ex-prefeito de Piraí e ex-deputado Tutuca.

FAMÍLIA  DAUAIRE

O deputado estadual Bruno Dauaire (PRP) é ?lho do ex-deputado e ex-prefeito de São João da Barra Alberto Dauaire, já falecido

FAMÍLIA  FERNANDES

O patriarca Pedro é o ex-deputado estadual com mais mandatos no Rio de Janeiro. Foram dez, por PP, MDB, PDT e PFL. Pai da vereadora Rosa e do ex-deputado federal Dino, que brigou com a família, foi preso em maio de 2006, com outros 11 ex-parlamentares, após ser acusado de participar de um esquema de compra de ambulâncias e equipamentos hospitalares para prefeituras a preços superfaturados, com dinheiro da União. O “escândalo dos sanguessugas”, como o episódio ?cou conhecido, envolvia corrupção ativa, formação de quadrilha e fraude em licitações. Rosa (MDB) foi a vereadora mais votada nas eleições municipais do Rio de Janeiro em 2000. Ela é mãe de Pedro Fernandes Neto (PDT), deputado estadual, ex-candidato  a vice-prefeito do Rio de Janeiro nas eleições de 2008, atual candidato ao governo do Rio. O pai (já falecido) e os ?lhos chegaram a exercer mandatos na mesma época

FAMÍLIA  LAZARONI

O deputado estadual André Lazaroni (MDB) é ?lho da já falecida Dalva Lazaroni, ex-vereadora e candidata ao governo do Estado do Rio de Janeiro.

FAMÍLIA  DA LUCINHA

O vereador Junior da Lucinha (MDB) é ?lho da ex-vereadora e atual deputada estadual Lucinha (PSDB).

FAMÍLIA  LINS

A vereadora Vera Lins (PP) é mulher do deputado estadual e ex-vereador Dionísio LIns (PP).

FAMÍLIA  BRAGA

O deputado federal Glauber Braga (PSOL) é ?lho da ex-prefeita de Nova Friburgo, Saudade Braga, já falecida.

FAMÍLIA  NUNES

O vereador Átila Alexandre Nunes (MDB) é ?lho do deputado estadual Átila Nunes, que é ?lho da ex-vereadora Bambina Bucci. 

FAMÍLIA  GAROTINHO

A deputada federal Clarissa Garotinho (PROS) é ?lha do casal Garotinho e Rosinha, ambos ex-governadores do Rio de Janeiro. Garotinho (PRP) é mais uma vez candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro.

FAMÍLIA  JEFFERSON

A deputada federal Cristiane Brasil (PTB) é ?lha do ex-deputado federal Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB.

FAMÍLIA  FILIPE

Presidente da Câmara municipal, Jorge Filipe é avô do deputado estadual Jorge Filipe Neto, que, por sua vez, vem a ser ?lho de Vanessa Filipe, que em 1994 se tornou a deputada estadual mais jovem do Brasil. Vanessa é ex-mulher de Rodrigo Bethlem e gravou o ex-marido admitindo que recebia propina de um fornecedor da prefeitura e que tinha uma conta não declarada na Suíça.

FAMÍLIA  RAMOS

O vereador Luiz Carlos Ramos Filho (PODE) é ?lho do deputado federal Luiz Carlos Ramos (PR).

FAMÍLIA  CABRAL

Filho do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), que está preso, o deputado federal Marco Antônio Cabral Filho (MDB) tenta a reeleição.