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Waltercio Caldas: ‘O vazio não existe, até o espaço pode ser esculpido’

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Escultor, desenhista, artista gráfico, gravador, cenógrafo, figurinista, o carioca Waltercio Caldas é um dos mais importantes artistas do Brasil, com reconhecimento no país e no exterior, e o que melhor entende as consequências do vazio, do tempo e da percepção do público. Mas Waltercio não é pop, porque a arte contemporânea em nosso país se restringe a um universo hermético e sofisticado, de especialistas e colecionadores de alto poder aquisitivo, que podem adquirir peças precificadas em dólar, valor regido por sua cotação no mercado internacional de arte. No entanto, apesar de não ser presença fácil nas publicações populares e nas TVs, Waltercio soma 50 anos de carreira, sempre com grande sucesso, presente nas mais importantes coleções do país, da coleção de Gilberto Chateaubriand à de Andréa e José Olympio Pereira, presidente do Credit Suisse no Brasil, das coleções dos MAM do Rio de Janeiro e de São Paulo e às coleções no exterior do Centro Georges Pompidou, na França, e do MoMA, nos Estados Unidos. 

Notável por produzir circunstâncias espaciais, Waltercio é um dos artistas curadores da 33ª edição da Bienal de São Paulo, no próximo setembro, para a qual selecionou pintores, esculturas e até textos que falam de assuntos recorrentes em sua própria obra: os espaços e os tempos das coisas. E explica: “Na maioria das curadorias, as obras são escolhidas por um tom comum. A minha curadoria obedeceria a um princípio modal. É como o funcionamento de um piano: você toca uma tecla, mas o martelo aciona três cordas. E o som que você ouve é a soma da ação dessas três cordas.” As peças selecionadas por Waltercio “dialogam entre si” e, com as devidas pausas, compõem uma orquestra. “São obras ativas em relação às significações que elas produzem nelas mesmas e em relação a outras”, explica. 

Waltercio protagoniza a próxima edição da Casa Vogue, deste mês de agosto, que será toda dedicada à 33ª Bienal de São Paulo, no Parque Ibirapuera, numa longa entrevista da qual antecipamos aqui abaixo alguns trechos...

Como você estabeleceu as ligações entre espaço e objeto na sua curadoria da Bienal?  

Selecionei peças que se relacionam, dando origem a um terceiro espaço. Elas formam, assim, uma espécie de orquestra, cuja música é a exposição em si. Tudo é linguagem: a maneira como as obras são apresentadas, os espaços que existem entre elas – eu já disse, inclusive, que gostaria de dar nomes para esses espaços entre as coisas. Estou preocupado com esse ritmo espacial. Para dar ritmo, você precisa de silêncios.

Como lida com o vazio? 

Para mim, não existe vazio, até o próprio espaço é passível de ser esculpido. Giacometti dizia que o escultor abre buracos no vazio quando faz suas obras.

Por que Vicente Rego Monteiro e Jorge Oteiza estão na sua seleção?  

A obra do Vicente trata com profundidade a pintura no espaço e isso me interessa – é o caso de Velázquez e Picasso. O Jorge foi negligenciado na história da arte: ele ganhou a Bienal de São Paulo de 1957 e, certamente, influenciou os artistas concretos e neoconcretos.

Como a herança da arte concreta afeta o seu trabalho? 

Quando comecei, nos anos 1970, víamos a chegada da arte minimalista, do surrealismo, do dadaísmo, da nova figuração, da arte povera, da pop art. Poderia citar uns dez “ismos” que aconteciam simultaneamente. O neoconcretismo era um desses temas, mas os artistas que começavam naquele tempo estavam voltados para uma questão mais ampla: estabelecer um reconhecimento dessa diversidade. Cada uma dessas correntes tinha as suas justificativas, e coube à nossa geração confrontar toda essa diversidade no sentido de entendê-la e administrá-la para mostrar que ainda era possível fazer arte.  Nessa época que acabam os “ismos”.

Por que essa geração não se unia mais para criar seus manifestos? 

Essa geração não era ingênua de pensar que fosse possível inventar um “ismo” para substituir outro. O assunto é bem mais complexo. E se um “ismo” fosse possível hoje, viria de um crítico, um modo de atualismo delirante que tenta se adaptar a vertiginosidade do mundo atual de forma tal que essa intenção acaba fi cando anacrônica e disfuncional.

Como você instiga o espectador a ter novas visões do mundo? 

Não tenho a ingenuidade de pensar que a arte pode mudar o mundo.  Mas isso não importa. A arte pode mudar a linguagem e a nossa relação com as coisas. A arte tem tantas prerrogativas que essa visão ilusória de que a arte vai transformar o mundo é anacrônica, antiga.  Ela reestrutura linguagens, cria novas possibilidades, oferece novas situações para o espectador lidar com a realidade.  

A arte é um método de conhecimento que não obedece a métodos. A zona de conforto da arte é o conflito. É este conflito que justifica a tentativa do artista de realizar alguma coisa que não existia e passa a existir. E a percepção se altera de acordo com a audiência: tem os sem imaginação, os que entendem de arte, os que duvidam da arte. Mas eu não gosto de trabalhar esse conceito vago de púbico. Um espectador de um concerto de música sente em conjunto — ele é um todo que aplaude e grita junto, há noção de coletivo. Nas artes plásticas, a relação com a obra é mais solitária — isso modifica o sentido das coisas. A disponibilidade que ele terá ou não para a obra é puramente subjetiva.  E o nosso tempo de atenção e conexão com as imagens mudou muito nos últimos anos.

É algo que você levanta na exposição? Como captar a atenção desse público?  

Tenho dados interessantes: a maior parte das pessoas que visita a Bienal está indo a uma exposição de arte pela primeira vez.  E, em média, o tempo de observação das pessoas na frente de uma obra é de 15 segundos. Até o conceito de “captar a atenção” está em jogo aqui. 

Você consegue prender alguma atenção real nas obras desse jeito? 

Não. Ele vai reparar no todo e configurar um sentido naquelas relações. E é isso que me garante que talvez ele demore um pouco mais do que os 15 segundos!

*Com João Francisco Werneck