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Luto

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Enviando o texto anterior, o incêndio lambia o popular museu da Quinta da Boa Vista... Aquele que a maioria dos cariocas tinha como extensão do Jardim Zoológico e levava a criançada para ver a ossada da baleia. Qual bombeiro, chego atrasado.
Foi o meu segundo incêndio, desde que, generosos, me abrigaram aqui na condição de pretenso cronista especializado. Nesse ritmo, se os leitores suportarem e o editor permitir, antes que complete aniversário, terei mais uns três para comentar.
Se revisitarmos o primeiro sinistro, o do edifício paulista, ocorrido em maio, encontrá-lo-emos esquecido, sobrepujado pelas catástrofes seguintes, sem que qualquer providência efetiva em relação ao problema tenha sido esboçada.
Museu queimado? Água nos hidrantes? Lembra o que apagou o outro incêndio da UFRJ? O da Capela? Relembrar-vos-ei: o conteúdo de duas piscinas. A do próprio campus e a do vizinho Iate Clube.
Nunca ouviu o porteiro do seu prédio dizer “já entrou água” e você responder “boa noite”, quando ele está informando que no Rio, o abastecimento é “intermitente”, termo usado pelos técnicos para explicar que água se manobra? Ali ou alhures. Inconstante e volúvel, a água poderá estar. E quanto mais tempo, seco o ramal sói ficar, maior capacidade o reservatório subterrâneo há de ter.
Mas propala-se a inexistência de instalações aprovadas pelos bombeiros, uma verdade que, tomada em termos absolutos, levaria à dispensa dos bravos soldados do fogo. Será que algum projeto, sabedor das inconstâncias da água, proporá piscinas? Fica a ideia.
Mas diminua a chama. Deixe em banho-maria ou na reserva técnica, e abordemos algo que Celina Côrtes, repórter da Editoria Rio, com sensibilidade, percebeu. Por que todos os prédios históricos ressurgem ocres?
E agora responda, querido leitor: que cor tinha o Museu Nacional, na última vez em que lá esteve? Rosa?
Então as crianças cresceram e há um tempo que você não anda pela Quinta, pois o prédio não escapou do que apelidei de “Ditadura da Prospecção”, isto é: pesquisando-se as diferentes camadas de tinta sobrepostas às paredes, identifica-se a mais antiga e repinta-se o prédio no tom encontrado, criando-se o paradoxo de fazer surgir algo que nunca existiu, aos olhos dos viventes. Um “De volta para o Futuro” cromático.
O ocre recente do Museu, contrariando o que se tem dito, indica que foi restaurado, com fulcro na melhor técnica retrospectiva e, se não começou pelo fim, conforme Dona Ivone Lara; se a obra não foi só de fachada, há que se aprofundar as causas do ocorrido. Afinal, não lhe faltam cientistas.
Mas o que mais me chamou atenção foi a declaração de um dos dirigentes da instituição, lembrando que o último presidente que visitou o antigo Palácio Real de São Cristóvão terá sido JK.
Outrossim, foi ele também que transformou a última residência presidencial do Rio em Museu, entregando as chaves do Catete a Josué Montelo, então no Museu Histórico Nacional, ora nas mãos competentes de Paulo Knauss, que tão bem resumiu, quando ainda lambiam as chamas, o significado da perda das diversas coleções da instituição congênere. Aparentemente, de maneira aleatória, reunia aquisições oriundas da curiosidade erudita dos monarcas, juntadas ao resultado da produção acadêmica, ditada por variados saberes.
O Museu Nacional é talvez o maior símbolo da transformação do Rio na cidade que sua capitalidade construiu. A Universidade do Brasil, criação do Estado Novo e entidade que o incorporou, foi resultado também desse processo.
A entrega da chave do Catete: o início do epílogo. O Rio, uma capital estadual, a UFRJ, uma universidade, entre tantas, no Brasil.
Herdeira nobre de um patrimônio decadente, sem perceber a queda do Império, administrará ruínas. Até que reúna alguma sabedoria, algo que incêndio não lambe, e faça o Museu, resumo de um país, retrato de uma cidade, ressurgir das cinzas. Lute.

* Arquiteto - Urbanista, graduado, mestre e doutor pela UFRJ