A nobre tentativa de impedir um festival de benefícios em ano eleitoral, quando se aproxima o fim do governo, levou o legislador a definir como nulo, de pleno direito, o ato que resulte em aumento de despesas com o pessoal; e, descumprida a lei, configura-se o crime. Como também se as despesas decorrentes daí e de outros compromissos não forem honradas no período do governo que as promoveu. Nada mais salutar, como forma de evitar que aos futuros governantes sejam transferidos encargos resultantes de benesses de despedida.
Entende-se, portanto, que os setores aos quais se confia a cumprimento da lei sejam os primeiros a impedir qualquer afronta, mais ainda quando aumentos e ajustes de ganhos se fazem em benefício dos que, mesmo não adequadamente remunerados, ganham muito acima de servidores injustiçados, que são a maioria. Aos tribunais, por conseguinte, cumpre dar o exemplo de comedimento, mesmo que se revelem competentes em formular interpretações retocadas do texto legal. Não tem sido comedidos, decidindo ao arrepio das reservas impostas para o período eleitoral; mais que isso, haveria de se esperar deles certa prudência solidária, considerando-se que o país, sem norte, convive com a tragédia do desemprego e o avanço dos índices de fome explícita.
Outra particularidade a considerar, à margem de dispositivos legais, é que nas sociedades que primam pelas injustiças, e aqui temos um nicho perenal, quanto maiores são as desigualdades, mais os poderes trabalham para aprofundá-las na remuneração da obra e do serviço realizados, sem descuidar das justas distâncias impostas pelo mérito e pelas responsabilidades. Respeitem-se as diferenças, longe de pretenderem a utopia de ganhos iguais para todos, mas desde que não galguem as raias do absurdo.
Se um ministro se reajusta em 16%, quando quer, sponte sua, milhões de servidores passam a postular o mesmo, escorados à sombra da isonomia, e com direito de navegar nas mesmas águas. Nunca obtêm o que desejam. O império das diferenças, haja eleição ou não.
Na outra extremidade, os trabalhadores esperam o percentual de maio, contentam-se, porque não são eles, mas é o governo que concede, sob as bases realísticas e ditatoriais da economia. Então: aos que têm, ainda que menos que o merecido, o custo para viver pesa menos; no contraste cruel, sobre quem ganha modestamente é que o ônus impõe os suores. Bem entendido, quem tem modesta munição é que terá de enfrentar, sob incríveis desigualdades, a guerra da carestia imperante. Ocorre aqui o brocardo que os antigos gostavam de citar: a corda arrebenta sempre pro lado mais fraco. O que não se compreende é que as cotas de sacrifício se destinem, antes de tudo e acima de tudo, aos segmentos mais fracos da sociedade. A realidade inapelável. Os salários pagam o preço do achatamento, mas não se dá o mesmo com os vencimentos dos governantes.
Não há nação, seja onde quer vivam ou tenham vivido, que não tenha sido chamada a apertar os cintos, reduzir despesas, assumir restrições, sem que faltassem casos vários em que o preço foi a fome. Mas, na maioria dos casos em que as dificuldades foram vencidas, elas primaram – digamos - por certa preocupação “democrática”, pois todos pagaram, desde o magistrado fazedor de leis até os pobres, que o profeta Isaías chamou de ceifeiros da colheita.
Por derradeiro, para se demonstrar que em nossos arraiais os sacrifícios habitualmente escolhem os mais fracos, enquanto os poderosos passam ao largo da crise, não se deve esquecer dos vilões de primeira casta e linhagem, os bancos. Nada melhor para explicar discrepâncias: enquanto a sociedade brasileira mergulha nas maiores desigualdades, aqui eles se tornam campeões olímpicos da espoliação. Na verdade, nada há na legislação eleitoral que possa conter a sede incontrolável dos banqueiros, mas nem por isso deixam de ser o melhor símbolo das mais cruéis diferenças que têm feito do Brasil um país que consegue empobrecer os cada vez mais pobres e enriquecer os cada vez mais ricos.