Muito ainda por fazer, sem embargo de um conjunto de situações a justificar sua presença, a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro dispõe de informações que permitem chegar ao centro gerador do doloroso quadro de violência urbana que se vive aqui. Conhecem-se, com alguma precisão, dados que estão na intimidade mais profunda do problema, o que revela, de certa forma, um alento, pois, se é conhecida a gênese do drama, presume-se que em algum dia teremos como combater o mal, mesmo com outros percalços a vencer.
Com base em estatísticas recentemente colhidas, após conferida sua procedência, os órgãos de segurança sabem que no agosto recém-findo ocorreram, no Rio, 700 tiroteios, em média 23 por dia, número superior a igual período do ano anterior. Se isso resultou de ações isoladas ou em confrontos, não importa, porque em qualquer cenário a população civil é que sempre se expõe, não raro por estar na rota silenciosa das muitas balas perdidas que chegam pelo ar.
A dedução é clara, e confirma o contraste preocupante: ao mesmo tempo em que os equipamentos da segurança se diluem e se esgotam, por carência de recursos orçamentários, os arsenais do crime organizado continuam sendo reabastecidos. Significa que, disputando espaço com os grupos concorrentes ou frente a frente com a polícia, as quadrilhas, se não levam a melhor, pelo menos não levam a pior.
O abastecimento de armas ao crime torna-se, portanto, desafio paralelo e prioritário. De onde elas vêm? Como chegam tão facilmente? Por quais caminhos transitam até serem colocadas em mãos que estão a serviço da violência? Não faltam suposições e desconfianças, sem se saber qual a direção que as autoridades da interventoria pretendem adotar para enfrentar a realidade, quando faltam quatro meses para se despedirem. Uma das fontes do comodismo oferecido às organizações criminosas é que o Rio de Janeiro padece de vulnerabilidade geográfica em suas divisas, deficiência que já começa nas fronteiras do Brasil. E, por extensão, também acabam sendo vulneráveis os limites entre os municípios fluminenses. É preciso cobrar reflexão mais cuidadosa sobre isso.
Os instrumentos que levam à insegurança dos cariocas começam a transitar, portanto, a centenas de quilômetros daqui, vencendo matas, navegando rios desertos e sem vigilância; para logo serem entregues, quase em domicílio, pelas estradas também despovoadas dos municípios limítrofes. Entende-se, dedutivamente, que, para se criar algum empecilho ao progresso desse armamento a serviço das quadrilhas, teremos de ir mais longe, exigindo do governo federal que a mesma disposição interventora no RJ se estenda às fronteiras. É onde o Brasil se divide com países muito amigos, mas não suficientemente atentos para impedir o contrabando criminoso.
Mas há mais um dado a reclamar atenção. Não faltam especialistas em segurança pública, permanentemente estudando razões e soluções, que não excluem a possibilidade de mais uma fonte supridora das armas que sobem os morros e vão contribuir na crescente audácia dos assaltantes e traficantes. Falam da certeza de muitas delas terem sua origem em conhecidos setores corrompidos da polícia, o que leva a população a outra particularidade no seu drama urbano: são os instrumentos criados para a sua defesa que vão ajudar a agredi-la. Serviriam de argumento os muitos casos de policiais já afastados, depois de se evidenciarem suas relações profícuas com as quadrilhas.
Talvez neste ponto não seja demasiadamente difícil conter o crime a serviço do crime. É continuar adotando a velha lição que manda separa o joio do trigo.