A figura do vice-presidente costumava ser considerada “peça decorativa” no Poder Executivo. Não em 2018. Depois que Michel Temer (MDB) assumiu a cadeira de Dilma Rousseff (PT), em 2016, após o impeachment da presidente, os vices passaram a ter peso significativo no voto do eleitorado. Este ano, principalmente, do público feminino, que soma 52% do total de eleitores registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Dilma foi a primeira mulher eleita presidente no Brasil. Em 2019, a possibilidade de uma mulher substituir Temer no Palácio do Jaburu – residência do vice-presidente em Brasília – é alta. Manuela D’Avila (PCdoB), Kátia Abreu (PDT) e Ana Amélia (PP) são três das cinco candidatas ao cargo e seus companheiros de chapa, respectivamente Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), têm chances de ir ao 2º turno e derrotar Bolsonaro, dono do maior índice de rejeição (44%), que fica ainda maior entre as mulheres.
As outras duas candidatas a vice são Sonia Guajajara (PSOL) e Professora Suelene Balduino (Patriota). Para a cientista política Clarisse Gurgel, a importância que a mulher assume nessas eleições é “às avessas”. “O impeachment da Dilma contou com certa dose de misoginia. Setores que se mobilizaram para lançar a candidatura feminina estavam atentos ao desgaste da mulher no poder e partiram dessa preliminar, mas sem deixá-la explícita. Ou seja, a gente joga a mulher que vai poder dialogar com esse eleitorado, mas evita na cabeça da chapa”, diz Clarisse. Segundo ela, a esquerda percebeu “que não podia bancar isso novamente, e a direita entendeu que também não podia ficar como aquela que não admite uma figura feminina no poder.” “Quem está fora disso? O Bolsonaro, que tem a maior rejeição do público feminino”, completa a cientista política.
Este ano, 8.535 candidaturas femininas foram registradas, o que equivale a 30,7% do total de 27 mil. Muito pouco além da obrigatoriedade de destinar 30% dos recursos do Fundo Partidário a campanhas femininas, e ainda menos do que nas últimas eleições, quando 31,1% das candidaturas foram de mulheres. Em 2014, o país elegeu uma governadora em 27 unidades da Federação; 51 deputadas em 513 assentos e sete de um total de 54 senadores, números distantes da proporção delas no eleitorado.
A cota para candidaturas femininas foi instituída em 1997, na Lei das Eleições, mas somente em 2009 uma mudança no texto deixou clara a obrigatoriedade da medida. No pleito de 2010, depois de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), passou a ser obrigatória, também, a destinação de 30% dos recursos financeiros para candidatas. Apesar disso, as mulheres ainda têm dificuldade de se ver representadas na política. Na corrida presidencial, por exemplo, apenas duas encabeçando chapas: Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU). Para o governo do estado, são 29, entre 199 candidatos, e 74 para 203 vices.
O que deixa dúvida, no entanto, é por que o vice parece ter assumido importância só agora, se, ao longo da história do país, foram oito que ocuparam a Presidência. “É uma novidade porque, hoje, tudo gira em torno dos últimos episódios envolvendo (os ex-presidentes) Lula e Dilma. Dilma foi deposta por um vice. Nesse mesmo período histórico, Lula é preso. E quem é o espelho dele na disputa eleitoral? O vice. Nós estamos vendo o (candidato do PSL) Jair Bolsonaro produzir o mesmo espelho. Quem fala em nome dele enquanto está fora da campanha? O vice. Essa figura torna-se importante pela forma nova que assume: um espectro do titular”, analisou Gurgel.
Esta pode ser a primeira vez que uma mulher assumirá o Palácio do Jaburu. Nas últimas eleições gerais, de 2014, três foram as candidatas a vice-presidente: Célia Sacramento (PV), Cláudia Durans (PSTU) e Sofia Manzano (PCB). As chapas das três, juntas, fizeram 0,75% dos votos válidos no primeiro turno – a mesma porcentagem que o quinto lugar na votação, Pastor Everaldo. “Todos os mapeamentos de participação das mulheres na política se mostram sempre muito baixos. Houve alguma mudança nesses últimos tempos, mas ainda está longe de ser o que as mulheres querem: ver outras mulheres na cabeça, e não apenas como apêndices. É lamentável ver muitas mulheres nesse lugar de vice”, afirma a socióloga Lenita Lengruber.
Se o eleitorado feminino no país é ainda o mais indeciso (80% não têm candidato, segundo o Datafolha de julho), pode ser que o mesmo decida o 2º turno das eleições. Nos últimos quatro pleitos, essa taxa nunca foi tão alta entre as mulheres. Não à toa, a pauta feminina – como aborto, equiparação salarial, e violência de gênero – tem rodeado a agenda eleitoral dos candidatos.
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Grupos opostos nas redes
A rejeição do eleitorado feminino ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro, tomou corpo nas redes sociais na última semana. Criado no dia 30 de agosto, um grupo no Facebook nomeado “Mulheres unidas contra Bolsonaro” já conta com mais de 2,2 milhões de mulheres de toda parte do país.
“Grupo destinado à união das mulheres de todo o Brasil (e das que moram fora) contra o avanço e fortalecimento do machismo, misoginia e outros tipos de preconceitos representados pelo candidato Jair Bolsonaro e seus eleitores”, diz a descrição no Facebook.
Com o grupo, nasceu a marcha marcada para o próximo dia 29, que já conta com a adesão de mais de 40 cidades no Brasil e no exterior.
Bolsonaro se tornou um candidato polêmico após fazer declarações machistas, homofóbicas e racistas antes e durante a campanha eleitoral. O deputado federal é líder nas pesquisas de intenções de voto sem o ex-presidente Lula, mas também possui o maior índice de rejeição (44%). Simulações do Datafolha e do Ibope indicam que o candidato perderia em quase todos os cenários no 2º turno.
Seu vice, diferentemente dos segundos colocados nas pesquisas, é um general do Exército, Hamilton Mourão, o que reforça o perfil conservador do candidato.
Em resposta a essa mobilização, foi criado, na segunda-feira, o “Mulheres com Bolsonaro”, em apoio ao ex-capitão da reserva. “Grupo feito pra mulheres de fibra e coragem que não precisam do feminismo e defendem o capitão Bolsonaro pra presidente do Brasil”, diz a descrição da rede, que reúne cerca de 500 mil pessoas.