O Ministério Público do Rio de Janeiro já anunciara na semana passada sua ofensiva contra a Lei Complementar 188 de 2018 do vereador Chiquinho Brazão (Avante), segundo a qual ocupações irregulares têm o direito à regularização fundiária. O MPE alega que tal norma vai de encontro às leis urbanísticas e ambientais e, sobretudo, despreza o fato de que a regulação e ordenação do solo dizem respeito ao poder público municipal. Afirma ainda que a lei favorece “a influência maléfica exercida por milicianos na Zona Oeste da cidade, especialmente no âmbito das construções clandestinas e irregulares”. A novidade, entretanto, é que a Prefeitura do Rio informou, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria da Casa Civil, que também entrará na Justiça contra a lei de Chiquinho Brazão, arguindo sua inconstitucionalidade.
A administração pública foi lenta no gatilho. Vetou a lei, mas, na Câmara dos Vereadores, a maioria dos parlamentares votou pela derrubada do veto. Resultado: o vale-tudo urbano já está valendo na Zona Oeste desde maio. Ou melhor, já estava valendo. Condomínios irregulares com estética semelhante aos de classe média já foram disseminados na região, como se vê, por exemplo, no bairro da Taquara, onde casas são construídas e ruas são fechadas por portões. “É preocupante o adensamento de áreas nas quais se deveria investir em agricultura e haver poucas construções, devido ao fato de que ali os terrenos são propícios a alagamento. Boa parte das escolas do Rio de Janeiro tem seus alimentos vindos de outros estados, enquanto que essa região tem tudo para fazer uma produção agrícola em larga escala”, diz o arquiteto Pedro da Luz, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil-RJ.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) também se opõe à lei 188. Para o arquiteto Lucas Faulhaber, conselheiro do CAU, o Ministério Público acerta ao tentar suspender a vigência da lei: “O CAU vê com bons olhos a ação do Ministério Público. Temos de analisar o incorporador que lucrou com essas construções e não tem qualquer obrigação de dotar essas áreas de infraestrutura. Essa lei também está no contexto de milícias fazendo o papel de agentes do mercado imobiliário”.
O Ministério Público alega que, ao afastar a prefeitura da obrigação de regular o solo, a lei impulsiona o fenômeno de ocupação desordenada.
A ação do MPE também aborda outro aspecto: não houve participação popular na formulação da lei. Além disso, faltaram estudos prévios de impactos ambientais e urbanísticos. Procurado pelo JORNAL DO BRASIL, o vereador Chiquinho Brazão não retornou as ligações.
Seus argumentos para defender a própria lei, contudo, já são conhecidos. Ele aponta que a própria prefeitura deixou as construções irem à frente por sua frágil fiscalização do solo. Numa das sessões em que defendeu o seu então projeto de lei, ressaltou que muitos de seus colegas parlamentares moram perto das áreas tomadas por casas irregulares. “O projeto, hoje, atende àqueles que construíram. É a realidade da cidade hoje, tirando essa correção que fizemos, claro, de parte da Zona Sul e do Grande Centro. Os demais locais são de vários pontos da cidade, incluindo o entorno onde os vereadores moram, atuam, em que os condomínios vão poder se regularizar”.
O vereador destacou o fato de que a lei exclui a Zona Sul e o Centro. O MPE acentua mais a Zona Oeste, porque é justamente essa a região onde há mais casas irregulares com a estética de classe média. Ocorre que, com a lei, que está em vigência, a moda pode pegar, por exemplo, na Zona Norte.