Um X-tudo à espera do Eike Batista

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Enquanto a cidade ferve com manifestações que em outros tempos seriam meramente rotuladas como “coisas de petistas”, enquanto perplexos vemos ruir o castelo de cartas do empresário Eike Batista, o Midas do X ( e já pensando em quanto do nosso rico dinheirinho foi empenhado para que o grande magnata delirasse à vontade), me vejo derrubada por uma gripe monumental que abate, tira o ânimo e, sobretudo,  qualquer possibilidade de brilho.

É dura a vida do jornalista. Em dias como este me dou conta disso mais agudamente. O show tem que continuar, ainda que tudo o que se queira sejam colchão macio, travesseiros fofos, edredons que delicadamente abafem os calafrios. Bom, não posso me queixar, afinal trabalho do home-office, o que já me livrou por exemplo de estar no centro do bombardeio de ontem, quando o Centro virou praça de guerra. Democrata que sou, concordo com qualquer tipo de protesto, mas não posso aceitar depredação do nosso patrimônio, que já é tão vilipendiado.

Mas voltando ao Eike Batista, que continuará bilionário, apesar de rebaixado a bilionário de um dígito só. Todas as suas aventuras no mundo empresarial me são estranhas – não tenho intimidade alguma com aquela infinidade de negócios que o rapaz tem. O que está me incomodando, agora, é o que poderá acontecer ao belo Hotel Glória, marco da história do Rio.  Eu avisei que não posso aceitar malfeitos ao patrimônio da nossa Cidade Maravilhosa – e é isso que ele está fazendo ao abandonar o hotel ou quando quer construir ao arrepio da legislação vigente uma marina quase vertical no Aterro do Flamengo, a maravilha criada por Lota de Macedo Soares.

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Conheci  o dono do Glória, o gentleman Eduardo Tapajós, que morreu trágica e prematuramente num acidente de helicóptero há cerca de 15 anos. Sou amiga da viúva dele, a querida Maria Clara. O casal morava lá, numa penthouse espetacular. Há uns 20 anos ou mais, ainda trabalhava em O Globo, uma tempestade se abateu sobre o Rio. Engarrafados na noite chuvosa, nó no trânsito, Ricardo Boechat e eu saímos da redação dispostos a enfrentar a tormenta. No meio do caminho, vimos que seria impossível chegar em casa.  O meio do caminho era o Glória, para onde partimos largando meu Opala Diplomata estacionado no canteiro do parque. Quando entramos no lindo hall de mármore, constatamos que não fôramos originais – meio Rio  de Janeiro tivera a mesma ideia. Nos hospedamos num quarto da ala nova, meio apertado, de onde disparamos telefonemas aos nossos perplexos cônjuges da época para avisar da surreal situação que vivíamos.

O irrequieto Boechat logo arranjou um jeito de ir sassaricar pelo hotel e colher informações, naqueles tempos pré celular, pré internet, que devem parecer mais estranhos  do que filme de Gordo e Magro para as novas gerações.  Enquanto rodava pelo belo hotel, cruzou com seu dono. Quando o Tapajós soube onde estávamos albergados – um quarto meio muquifo para o esplendor do lugar – não titubeou: nos hospedou na suíte presidencial, à época a segunda casa do José Sarney. Honra seja feita ao leal Sarney, ele nunca deixou de se hospedar no Glória enquanto existiu o hotel, fosse qual fosse o cargo que estivesse ocupando. Estaria lá até hoje, na belíssima e ampla suíte toda decorada com raro mobiliário art déco, não tivesse a Maria Clara vendido o hotel para o Eike. Do jeito que a coisa vai, não sei se Sarney terá ocasião ou mesmo desejo de fazê-lo mais uma vez. Tenho cá meus receios. Pelo tempo que correrá e pelo que o velho senador encontrará pela frente.

Quanto ao Eike, bem, o Eike continuará o Eike. Louro, sarado, rico, quase um Caco Antibes, o antológico personagem vivido por Miguel Falabella, em sua primeira encarnação no Largo do Arouche. Se tudo der muito, muito errado, o Eike sempre poderá abrir uma rede de X ...tudo.