Encalhes portuários: o caso do Rio
Não é de hoje que, no Rio, movimentam-se elementos grandiosos. Morros, lagoas, bairros. Já no século 18, o Morro das Mangueiras serviu de aterro para criar o Passeio Público, enquanto, no início do 20, Pereira Passos arrasava o do Senado, fazendo surgir a Praça da Cruz Vermelha. Com o material dali retirado, aterra a baía para construir novo porto, na Gamboa. A navegação, nessa época, trocava vento por vapor. Navios se robustecem e exigem áreas mais firmes para atracamento, acessos ferroviários, ruas largas e muitos armazéns.
Ainda no século passado, porém, novas práticas portuárias trocam os armazéns por contêineres e gigantescos guindastes. E, assim, sob a égide do que se alcunhava “projeto faraônico”, surge a ideia de um moderníssimo porto que seria a porta da América do Sul: Sepetiba! O Porto do Rio, nem tão velho, era dado como morto.
Internacionalmente, onde houve interesse do capital imobiliário, isso também ocorria. Projetos exitosos, sob esse ponto de vista, transformavam frentes marítimas de cidades como Baltimore ou Barcelona, fazendo chegar aqui uma nova cantilena: “Revitalização da Área Portuária”. No Rio, que é sol, é sal, é sul a receita soou estranha: a energia do capital imobiliário se voltava a verticalizar certos bairros e a ocupar a nova fronteira: a Barra.
Eram os anos 70, de novelas como “O Espigão” ou quando Vinicius lamentava “esse Rio de amor, que se perdeu”. No porto, ao largo, continuava-se a ver navios. Mais uns anos, porém, com o Rio dando mostras de retração, a prefeitura, administrada por Cesar Maia, com participação de seu secretário de Urbanismo e futuro sucessor, Luiz Paulo Conde, vai buscar, em fonte catalã, os remédios que haveriam de servir à combalida cidade: competitividade, um evento de porte e seu maior trunfo: a completa transformação da área portuária de Barcelona.
Rompidos ou não, Cesar e Conde aplicavam a receita: Planos Estratégicos, projetos emblemáticos, como a franquia Guggenheim, e a candidatura Rio-2004 seguiam a doutrina catalã, sem, contudo, observar-se melhoras do enfermo, até que, já na Era Paes, chegam as notícias de que “vai ter copa” e “Rio, Cidade Olímpica”. Em qualquer outro momento, em uma cidade que não consegue tapar seus buracos, suprimir algo, que custou milhões seria uma insanidade. Em um momento insano, porém...
Esqueçam-se os projetos que, desde 1960, criavam enormes vazios urbanos, e que vazios seguiriam por décadas. Esqueçam que a demanda por imóveis é limitada. Esqueçam que a população está estagnada há décadas e que a única parcela que cresce com pujança é a que busca as favelas. Abstraindo-se de tudo isso, a enorme área do porto do Rio parecia servir de palco de uma operação urbana bilionária. Um leilão, onde se ofereceria algo imaterial: o futuro, e que só pode ser imaginado, o direito de construir.
Algo que, no restante da cidade, é previsto em lei, mas que ali, pretendeu-se leiloar: 4 milhões de m² de áreas oníricas, que, surpreendentemente, não apeteceram a ninguém, exceto à Caixa Econômica, que, na sequência, venderia o sonhado potencial a quem fosse construir na nova e esplendorosa área. Esplendorosa, porque, com o dinheiro arrecadado no leilão, a prefeitura contrataria agentes privados que dariam o banho de loja que a área precisava, incluindo coisas que soavam a maluquice: perfurar o Morro de São Bento, derrubar a Perimetral... Era banho de loja, e caro, que virou banho de água fria. O Rio fez lembrar, mais uma vez, que nos processos de retração urbana só há crescimento de uma área com declínio proporcional em outra. É cobrir com cobertor que encurta. E a venda do potencial? Como o futuro, a Deus pertence, mas por enquanto, encalhou...
* Arquiteto urbanista D. Sc.