Maceió afunda: área igual a Copacabana pode submergir por culpa da Odebrecht/Braskem
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Quando Chico Buarque de Holanda, entre as pérolas do álbum “Paratodos”, lançado em 1993, compôs a belíssima “Futuros amantes”, cujos versos diziam que escafandristas, ao pesquisar milênios e milênios após uma cidade submersa (o Rio de Janeiro), iriam encontrar e “Sábios então / Tentarão decifrar / O eco de antigas palavras / Fragmentos de cartas, poemas / Mentiras, retratos / Vestígios de estranha civilização”, jamais imaginaria que o enredo poderia se aplicar, em 30 anos, a uma parte da cidade de Maceió, capital de Alagoas (com 1 milhão de habitantes), com área igual à de Copacabana.
Os cinco bairros de Maceió que ocupam a área, com 70 mil habitantes, estão afundando desde março de 2018. Na ocasião, houve o primeiro abalo de terra em Pinheiro, bairro de classe média (renda acima de 10 salários mínimos - R$ 13.200,00), com o desmoronamento de um dos 36 túneis perfurados pela Braskem. A subsidiária petroquímica da construtora Odebrecht (atual Novonor) assumiu a Salgema em 1995, e conta com participação de 47% da Petrobras no capital.
Maior tragédia urbana
Esta semana, o afundamento da mina 18, dia 30 de novembro, no bairro do Mutange, ligou o alerta vermelho. A prefeitura de Maceió, comandada por João Henrique Caldas, (PL-AL), aliado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a evacuação total da área que afundou dois metros em apenas três dias, e em seguida estendeu a evacuação aos moradores de menor renda no bairro de Bom Parto. O governo do Estado é comandado por Paulo Dantas (MDB-AL), aliado do senador Renan Calheiros.
O caso da responsabilidade da Braskem afeta muito a prefeitura de Maceió. Os imóveis atingidos desde 2018 ficaram isentos do IPTU, bem como as regiões limítrofes. Hospitais, como o Psiquiátrico de Pinheiro, foram fechados, assim como escolas, supermercados e lojas comerciais e de serviços. Prédios de 12 pavimentos, que foram lançados pouco antes do primeiro abalo em Pinheiro, tiveram de ser evacuados antes da venda de todas as unidades. O VLT de Maceió, com 34 km, teve de fechar a estação de Mutange e desviar o percurso.
Na queda de braços para ver quem tem mais prestígio junto ao governo federal, em Brasília, o presidente da Câmara saiu na frente atrás de ajuda do governo federal para o município, que declarou estado de calamidade pública. Nada melhor do que aliviar as responsabilidades da Braskem.
Sem contar as bombas atômicas jogadas pelos Estados Unidos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nakasaki, na 2ª Guerra Mundial, e os bombardeios que devastaram cidades desde a 2ª Guerra, até os recentes conflitos entre a Rússia e a Ucrânia e os revides de Israel aos ataques do Hamas (com mais de 15 mil mortes na Faixa de Gaza e a evacuação de mais de um milhão de habitantes do norte da região), ou terremotos causados por acomodações de placas tectônicas, o acidente de Maceió já é considerado a maior tragédia urbana do mundo.
As previsões eram de que o colapso da mina 18 ocorreria por volta das 6 horas desta sexta-feira (1º). O que não ocorreu. Entretanto, diante da movimentação da terra, com o afundamento das minas (com profundidade média de 500 metros e a máxima de 1.300 metros), a Defesa Civil da capital, diante do colapso, em caso extremo, gerar uma cratera do tamanho do Maracanã, alertou, por SMS, os moradores da região a deixar suas casas de imediato. E recomendou que embarcações evitem a Lagoa do Mundaú, desaconselhando o trânsito de pessoas pela região. Há risco de grave desequilíbrio ecológico na Lagoa de Mundaú, com forte aumento da salinidade e dano ambiental irreversível.
E estendeu o processo de evacuação ao bairro de Bom Parto, de classe média baixa. Segundo estimativas da prefeitura, os moradores de 1.736 lotes deverão ser realocados, além de outros habitantes de 1.289 lotes que serão monitorados na nova área.
Imagine o metrô afundar
Para entender as dimensões da tragédia, os bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro Farol e Bom Parto, que ocupam uma das margens da Lagoa do Mundaú, podem ser comparados às fraldas de Jardim Botânico, Ipanema e Leblon que se espalham entre a Lagoa Rodrigo de Freitas (menor que a de Mundaú) e o mar de Ipanema. As três dúzias de túneis da Braskem para extração de Salgema, matéria-prima (soda cáustica) de uso na petroquímica e na produção do plástico PVC, criaram uma teia comparável à dos túneis do Hamas na Faixa de Gaza. Só que que os túneis do Hamas foram concretados para que não desabassem nem sob bombardeio do exército de Israel.
Talvez a comparação mais adequada fosse com um hipotético colapso da extensão do metrô em direção à Barra da Tijuca, quando cortou os areais de Ipanema e Leblon no começo dos anos 2010. A construção do metrô, da qual participou a Odebrecht, usou o supertatuzão, máquina que escava túneis subterrâneos a 30-50 metros abaixo da superfície das ruas. Enquanto escava, o tatuzão vai imediatamente fincando anéis de concreto para evitar o desmoronamento da areia. Por isso o metrô é seguro e não há risco de afundamento de ruas e construções nos bairros que ele atravessa por baixo.
Mas houve um grave acidente em maio de 2014 na rua Barão da Torre, quando o tatuzão, que vinha escavando a rocha sob o morro do Cantagalo, topou com uma pedra solta na passagem para o solo arenoso, e provocou desmoronamento entre os números 120 e 150 da rua. Por acaso, morava no n.º 112 da Barão da Torre e acompanhei os temores dos moradores, que sentiam seus prédios tremerem dois dias antes do infausto acidente.
A obra fechou a rua por um ano e derrubou a portaria de quatro edifícios cujos moradores tiveram de ser evacuados. Depois, o metrô, que atrasou e só chegou à Barra em 2016, já após as Olimpíadas, reparou quase tudo (menos o canteiro de obras no Jardim de Alá), e alguns até lucraram com as reformas.
Mas o caso de Maceió não tem volta. A problemática retomada extensão do metrô até a Gávea, cuja estação junto à PUC, teve o buraco fechado com água e areia, apresenta risco semelhante às escavações da Braskem em Maceió.
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A cronologia da tragédia
1 - Em 03 de março de 2018, a capital alagoana registrou um tremor de terra no bairro do Pinheiro, ocupado pela alta classe média, o primeiro em 60 anos;
2 - Após o fenômeno, surgiram rachaduras em imóveis e crateras nas vias do bairro;
3 – A situação se expandiu também nos bairros do Bebedouro, Mutange, Bom Parto e parte do Farol;
4 - Em maio de 2019, a CPRM divulgou o relatório de estudos com a conclusão de que o problema é causado pela extração de sal-gema, realizada pela mineradora Braskem;
5 - O desastre ambiental provocado pela mineradora atinge mais de 50 mil moradores, que deixam suas casas. O caso é considerado o maior do Brasil;
6 - Ao todo, são 35 minas de extração de sal-gema que estavam, segundo a Braskem, sendo fechadas e estabilizadas em um trabalho intensivo desde 2019.
7 - Em dezembro de 2020, foi assinado um acordo socioambiental entre Braskem, Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de Alagoas, que definiu as medidas a serem adotadas pela mineradora;
8 - Após uma sequência de novos tremores registrados na região, na quarta-feira (30), a Defesa Civil de Maceió informou que o monitoramento mostrou um aumento significativo na movimentação do solo na mina nº 18, indicando a possibilidade de rompimento e surgimento de uma grande cratera;
9 – A Justiça Federal determina a retirada compulsória de 23 famílias que ainda estavam na área definida para realocação no mapa anterior. Prefeitura diz também que atua para a retirada voluntária de moradores da região ribeirinha próxima à mina que apresenta risco de colapso;
10 - Nesta quinta-feira (30), Defesa Civil atualiza o mapa que define as áreas para realocação e monitoramento;
11 - Justiça Federal determina, também na quinta-feira (30), a inclusão de área do Bom Parto no programa de realocação da Braskem.
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Rombo da Braskem afasta compradores
O abalo sísmico de 2,7 graus na Escala Ritcher em Pinheiro, em março de 2018, tem sido a pedra no sapato da Braskem. Uma das joias da coroa do grupo Odebrecht, que entrou em crise na Operação Lava-Jato, a Braskem, uma das 10 maiores petroquímicas do mundo, foi posta à venda desde 2018. Assustada com as dimensões, cada vez maiores, das indenizações aos moradores e empresários dos bairros atingidos em Maceió, que representavam mais de 50% do valor dos ativos da companhia, a gigante holandesa LyondellBasell desistiu do negócio em junho de 2019. Com o fracasso da negociação, restou à Odebrecht entrar em recuperação judicial ao fim do ano.
A pandemia da Covid inviabilizou os negócios nos dois anos seguintes. Mas no ano passado, o fundo Apollo Global, em sociedade com a ADNOC (Abu Dhabi National Oil Company), a estatal dos Emirados Árabes Unidos, fez uma nova oferta. O Apollo desistiu do negócio em setembro. Mas o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que está participando da comitiva do presidente Lula na COP em Abu Dhabi, aproveitou o evento para sondar os dirigentes da ADNOC sobre uma eventual parceria na Braskem. Mais uma vez os problemas em Maceió assustam os interessados.
O pré-sal de Alagoas
A história do sal-gema de Alagoas é entre curiosa e rocambolesca. Na verdade, as dimensões da camada de sal-gema explorada originalmente por empresas estrangeiras e depois da privatização de 1995, pela Empresas Petroquímicas do Brasil, controlada pela Odebrecht, que viria a formar a Braskem, se assemelham à camada do pre-sal. Em 2006, após perfurar muito abaixo da camada do pós-sal, chegando a três mil metros de lâmina d’água e a cinco mil metros de profundidade abaixo, a Petrobras descobriu as jazidas gigantescas de petróleo e gás nas bacias de Campos e Santos.
O pré-sal de Alagoas, originado do período Quaternário e pré-Cambriano, foi descoberto por acaso. Os direitos de exploração foram detidos, desde 1941, por uma companhia americana. Passados 22 anos, a concessão caducou. Mas antes de a empresa desistir e devolver a concessão ao DNPM, um simples mecânico de Maceió, Euvaldo Luz, que fazia manutenção em sua oficina de brocas para perfuração de poços artesianos e de prospecção de petróleo, ficou intrigado com um tipo especial de sal que estava agarrado nas brocas. Decidiu enviar o material para pesquisa e o veredito foi “sal-gema”.
Como não tinha capital, viu os direitos de lavra serem adquiridos pela Dupont. Que não tocou o negócio. Euvaldo conseguiu apoio político, e quando a Dow Chemical assumiu a posição da Dupont e surgiu o modelo tripartite da petroquímica, no governo Médici, e o general Geisel presidia a Petrobras, ele entrou com 10% do capital da Salgema, e a Petroquisa entrou de sócia, junto com o BNDES. Nas privatizações do governo Collor, o modelo tripartite foi desfeito, com a retirada da Petroquisa da linha de frente. Mas a Odebrecht, que já tinha feito enorme concentração na petroquímica, conseguiu atrair a Petrobras como sócia de 47% da Braskem, garantindo preço preferencial na nafta, a principal matéria-prima da indústria petroquímica.