EDUCAÇÃO
Relatório apresentado à Nobel da Paz Malala Yousafzai denuncia o desmonte de políticas educacionais no Brasil
Por Gabriel Mansur
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Publicado em 26/05/2023 às 16:08
Alterado em 26/05/2023 às 17:44
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou um relatório - chamado "Monitoramento do Direito à Educação" -, elaborado em parceria com 11 ativistas e representantes de diversas organizações, que revela as consequências da queda de investimentos públicos para Educação desde a aprovação do teto de gastos, em 2016.
O diagnóstico também mostra dados que atestam o atraso severo no cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que se aproxima do seu término, em junho de 2024.
Os números foram apresentados pela organização Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, durante visita da paquistanesa Malala Yousafzai ao Brasil.
Malala é a pessoa mais nova a ser laureada com um Prêmio Nobel e cumpre agenda no país, onde debate a educação e direitos humanos.
Os números
Na primeira infância, por exemplo, o Brasil nunca conseguiu atingir a meta de 50% de cobertura de creches para a faixa-etária de 0 a 3 anos, que atende hoje apenas 37% das crianças.
No ensino fundamental, os alunos da rede pública foram os mais afetados pelo déficit de ensino nos anos de 2020 e 2021, em plena pandemia, o que fez o índice de conclusão dessa fase despencar no período: apenas 81% dos formandos tinham a faixa etária até 16 anos, contra uma meta de 95%, prevista no PNE.
No ensino médio, que tinha como meta alcançar 85% da população de 15 a 17 anos até 2024, está com apenas 74% de cobertura, algo bem aquém do previsto.
Por fim, as matrículas em instituições públicas de ensino superior, que deveriam crescer 40% na previsão do PNE, subiram módicos 3,6%.
Medidas tomadas
A Rede de Ativistas também apresentou um balanço das medidas tomadas pelos poderes Executivo e Legislativo, no âmbito Federal e Estadual, nos primeiros meses de seus mandatos em prol do direito à Educação.
Para fazer o balanço, a Rede de Ativistas tomou como base o documento “Carta-Compromisso pelo Direito à Educação”, elaborado na época das eleições junto à Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
O documento visava convencer os então candidatos a serem signatários de 40 compromissos em defesa de uma educação pública, gratuita, antirracista, antissexista, laica, inclusiva, equitativa e de qualidade.
Se eleitos, eles deveriam apoiar ações como a elaboração de um novo Plano Nacional de Educação, o retorno dos recursos para a educação de jovens e adultos, a revogação do novo ensino médio, a consolidação da educação quilombola, indígena e povos tradicionais, entre outras políticas públicas.
Os vencedores das eleições que assinaram a carta foram o presidente Lula, quatro governadores (dos estados Maranhão, Piauí, Amapá e Espírito Santo), 43 parlamentares federais e outros 56 deputados estaduais.
Governo Lula
Segundo o relatório da Rede de Ativistas, o início da terceira gestão do presidente Lula vem somando pontos positivos com a recriação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi).
Outros pontos positivos, ainda conforme o resumo, são:
- A retomada do Fórum Nacional de Educação (FNE);
- Novas medidas de combate à violência nas escolas;
- O reajuste de 39% no valor destinado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE);
- O repasse de R$ 500 milhões para investimento em infraestrutura nas escolas;
- E o aumento da oferta de bolsas de estudos.
No entanto, algumas questões ainda se mostram frágeis, como a manutenção do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, que implementa escolas cívico-militares públicas em estabelecimentos de ensino público com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Outros desafios do Ministério da Educação estão na demora para a revogação do Novo Ensino Médio e na ameaça da falta de recursos suficientes para suprir as sequelas deixadas pela pandemia na rede pública de ensino, por conta das novas regras do teto de gastos do Poder Executivo.
Balanço por região
Enquanto isso, os principais entraves para o cumprimento da Carta-Compromisso apontados no relatório foram divididos segundo as regiões.
No Norte e Centro-Oeste, merecem registros a não-revogação da reforma do ensino médio (Tocantins e Mato Grosso do Sul) e a crescente militarização das escolas públicas (Goiás, Mato Grosso, Acre, Roraima, Rondônia).
Em Rondônia, aliás, o governo local criou o projeto “Escola Segura”, com a figura de “pelotões disciplinares” formados por estudantes, além do programa “Amigo Voluntário da Educação", que paga diárias de R$55 para colaboradores sem concursos públicos.
No Sudeste, a militarização das escolas públicas chama a atenção em Minas Gerais. Já o estado de São Paulo peca por não implementar a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional.
Na região Sul, o Rio Grande também não implementou a Lei do Piso Salarial, e a militarização segue forte nas escolas públicas de Santa Catarina e no Paraná.
Este último, berço da Lava-Jato, é considerado o estado líder em escolas cívico-militares, com mais de 200 instituições seguindo esse modelo e previsão de dobrar o número nos próximos anos.
Já no Nordeste, o relatório destaca a privatização e a mercantilização da educação no Piauí; a não-revogação da reforma do ensino médio em Pernambuco; e a expansão dos colégios militares no Maranhão (com 44 instituições) e na Bahia (116).
O estudo
Sob a coordenação e com edição final pelo Inesc, o relatório apresentado à jovem ganhadora do Nobel da Paz foi produzido a partir do Fundo Malala, instituição internacional homônima à ativista.
O Fundo apoia o trabalho de mais de 80 educadores em dez diferentes países - Afeganistão, Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão, Tanzânia e Turquia - para promover o acesso e a permanência de meninas na escola.
No estudo, a rede de ativistas pontuou o atual cenário do sistema educacional brasileiro, com uma avaliação das primeiras medidas adotadas pelos gestores públicos no âmbito Federal e Estadual, assim como recomendações para a melhoria dos indicadores nessa área nos próximos anos.
O documento foi entregue na quinta-feira (25), durante uma reunião interministerial em Brasília, solicitada pela própria Malala, com o objetivo de discutir e buscar soluções para os desafios educacionais enfrentados pelo Brasil.
Estiveram presentes no encontro a secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas, Juma Xipaia; o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; a secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Rita de Oliveira.
Também marcaram presença a secretária-executiva do Ministério das Mulheres, Maria Helena Guarezi; além do ministro da Educação, Camilo Santana.