Lula se reúne com príncipe saudita que presenteou Bolsonaro e 'silencia' narrativas da extrema-direita
Encontro cancelado pela comitiva árabe neste sábado serviu para bolsonaristas criarem falsa narrativa sobre suposto desprestígio do presidente brasileiro em cenário internacional
Após encontros cancelados em agendas diferentes, que serviram para bolsonaristas criarem narrativas nas redes sociais sobre um fantasioso desprestígio do presidente Lula (PT) em cenário internacional, o chefe do Executivo brasileiro se encontrou, neste domingo (10), em Nova Delhi, na Índia, após encerramento da 18ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo do G20, com o príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, que a partir de 2024 será aliado do Brasil no Brics.
O monarca saudita ganhou notoriedade no país por conta das joias que deu de presente ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), avaliadas em mais de R$ 5 milhões, e que depois culminou numa extensa investigação da Polícia Federal por suposta apropriação e venda indevida nos Estados Unidos, uma vez que elas pertenciam à União. A princípio, Lula se reuniria com Bin Salman neste sábado (9), mas o encontro bilateral foi cancelado devido a "urgências na comitiva" do país arábe.
Na reunião bilateral, Lula não tocou no assunto das joias. Como membro original do Brics, ele fez questão de dar as boas-vindas à Arábia Saudita como novo país-membro do bloco, que também terá Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã a partir de janeiro do ano que vem.
O petista também aproveitou a oportunidade para conversar sobre investimentos e boas relações. Ficou acertado, por exemplo, que uma delegação de empresários e autoridades sauditas deve visitar o Brasil em breve para conhecer a carteira de projetos do Novo PAC, que estão abertos a investimentos estrangeiros. A agenda será discutida pelos ministérios das Relações Exteriores de ambos os países.
Petróleo e gás
O representante saudita também indicou ao presidente Lula que deseja ampliar investimentos no Brasil, principalmente na área de petróleo e gás e nas fontes verdes, além de retomar uma agenda comercial.
Lula sinalizou que o crescimento dos investimentos sauditas no Brasil é bem vindo e pode ser importante no processo de transição para uma economia mais sustentável, com destaque para setores de alta tecnologia, como o desenvolvimento de motores híbridos e também em hidrogênio verde.
As relações comerciais entre os dois países vêm crescendo ano a ano. Em 2022, o volume comercializado chegou a 8,2 bilhões de dólares.
Quem é o príncipe?
O príncipe Mohammed bin Salman bin Abdulaziz Al Saud tem 38 anos e comanda o país de maneira autocrática. Ele foi ministro da Defesa e desde setembro de 2022 assumiu o cargo de primeiro-ministro do Reino da Arábia Saudita. Sua carreira políitca foi ganhando destaque nos últimos anos porque ele passou a tomar todas as decisões no país. O pai do príncipe, o rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, tem 87 anos e sofre da doença de Alzheimer.
No início, a ascensão do príncipe ao poder foi considerada positiva nos meios diplomáticos internacionais, que esperavam um mandato reformista e modernizador, o que até aconteceu, levando em consideração que a majestade reduziu os poderes da polícia religiosa, que ataca a fé cristã, e decretou o fim da proibição das mulheres dirigirem automóveis.
A Arábia Saudita também passou a permitir mulheres em estádios de futebol, que em 2023 abriu os cofres, por meio do fundo saudita (dinheiro público) para contratar craques internacionais, como Cristiano Ronaldo e o brasileiro Neymar, numa ação conhecida como "sportswashing" (lit. lavagem esportiva). Trata-se de um termo que denomina a prática de indivíduos, grupos, corporações, ou governos, de usar esportes para melhorar reputações desgastadas por ações erradas.
Ocorre que Mohammed bin Salman (que é conhecido também acrônimo MBS, com as letras iniciais de seu nome) tem contra si casos, no mínimo, controversos. Ele foi acusado em 2018 pela CIA (serviço secreto dos Estados Unidos) de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.
Em 2021, novo relatório do governo norte-americano dizia que o príncipe saudita tinha aprovado a operação que resultou na morte de Khashoggi – ainda que em 2019 a Arábia Saudita tenha condenado cinco pessoas pelo crime. Em dezembro de 2022, a Justiça dos EUA arquivou as acusações contra Mohammed bin Salman.
Nos jornais norte-americanos, MBS é costumeiramente classificado como ditador sanguinário. Dados da Organização Saudita Europeia para os Direitos Humanos indicam que a Arábia Saudita teve 129 pessoas executadas por ano, de 2015 a 2022, uma alta de 82% em comparação com o período de 2010 a 2014. Organizações defensoras de direitos humanos, como a Anistia Internacional, relatam contínuas violações na Arábia Saudita.