JUSTIÇA
Derrota da 'lava jato' em caso Marcelo Odebrecht pode repercutir em outros processos
Por JORNAL DO BRASIL com Consultor Jurídico
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Publicado em 08/09/2024 às 07:01
Alterado em 12/09/2024 às 10:32
Por Tiago Angelo e Rafa Santos - A decisão que manteve a anulação de todos os atos da “lava jato” contra Marcelo Odebrecht pode afetar outros casos e invalidar diversos processos da finada “lava jato”, segundo especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Para isso, no entanto, os demais alvos de Curitiba precisam demonstrar que também foram alvos de conluios entre o ex-juiz Sergio Moro e o Ministério Público Federal.
A 2ª Turma da corte decidiu, por maioria, manter a decisão do ministro Dias Toffoli que anulou os atos. O tribunal, no entanto, alterou trecho que trancava todos os procedimentos penais contra o empresário.
O Supremo definiu que a análise quanto a esse ponto deve ser feita pelos juízos e instâncias competentes que atuam nos casos. Segundo os especialistas, no entanto, a tendência é que todos os procedimentos sejam trancados, já que as provas colhidas estão anuladas.
Extensão de efeitos
O advogado Nabor Bulhões atuou no caso defendendo Marcelo Odebrecht. Segundo ele, a decisão da 2ª Turma pode afetar diversos processos envolvendo investigações tocadas em Curitiba caso fique demonstrado que também houve conluio entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da “lava jato”.
“Em regra, em se tratando de reclamação ou de concessão de Habeas Corpus de ofício, exige-se a demonstração de aderência do pedido aos paradigmas invocados como base para a sua formulação. Há a possibilidade de extensão”, afirmou.
O criminalista Alberto Zacharias Toron concorda e lembra que algo semelhante já ocorreu no caso do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine. Em abril deste ano, Bendine teve uma condenação na “lava jato” anulada no Superior Tribunal de Justiça porque os elementos de prova foram colhidos do Sistema Drousys, da Odebrecht.
Quando o caso estava no STJ, a defesa de Bendine, feita por Toron, apresentou petição apontando que Toffoli declarou imprestáveis as provas obtidas a partir do sistema Drousys.
“Sim, pode afetar outros processos, como aliás já aconteceu. Lembrarei que o caso do Bendine já foi afetado por uma decisão similar e portanto é isso que irá acontecer.”
Similaridades
Luis Henrique Machado, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), afirma que se outros investigados demonstrarem que foram alvos de conluio entre MPF e Moro, deve haver novas decisões declarando a nulidade de provas.
“Se outros investigados demonstrarem de forma concreta, independentemente de conexão probatória intersubjetiva, o conluio entre o ex-juiz da 13ª Vara e a força-tarefa de Curitiba, não restam dúvidas de que as provas também poderão ser anuladas, uma vez que esse tema já se trata de jurisprudência em fase de consolidação no Supremo”, disse.
O jurista Lenio Streck, colunista da ConJur, considerou a decisão como uma “derrota da ‘lava jato’” de Curitiba. “A turma, por maioria, confirmou a nulidade dos atos de Moro e da ‘lava jato’. Só não deu o trancamento. Mas isso terá de ser visto na sequência. Derrota da ‘lava jato’”, disse.
Sem extensão
O advogado Conrado Gontijo discorda dos colegas. De acordo com ele, o caso envolvendo Marcelo Odebrecht não deve afetar outros processos. Para o advogado, no entanto, a tendência é que os casos sejam trancados, já que, eliminadas as provas ilícitas, nada que indique crime deve sobrar para basear qualquer persecução penal contra o executivo.
“A decisão reconhece a nulidade de todas as provas produzidas pela ‘lava jato’, operação que foi caracterizada por abusos e ilegalidades graves praticadas pelo ex-juiz Sérgio e pelos integrantes do MPF”, afirmou.
“Com isso, os casos ficam completamente esvaziados, do ponto de vista probatório. Não me parece que isso deva interferir em outros casos. Eliminadas as provas produzidas ilicitamente, é bem possível que nada sobrará que indique qualquer fato criminoso passível de investigação”, concluiu.
Entenda o caso
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu nesta sexta-feira (6/9) manter a decisão do ministro Dias Toffoli que anulou todos os atos da “lava jato” de Curitiba contra Marcelo Odebrecht.
O recurso da Procuradoria-Geral da República contra a anulação dos atos da ‘lava jato’ foi analisado virtualmente. Toffoli e os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques votaram pela manutenção da anulação. Os ministros Edson Fachin e André Mendonça ficaram vencidos nesse ponto.
A turma, no entanto, alterou a decisão quanto ao imediato trancamento de todos os procedimentos penais contra o empresário. A maioria entendeu que a análise quanto a esse ponto deve ser feita pelos juízos e instâncias competentes.
Recurso rejeitado
Em maio, Toffoli estendeu a Marcelo Odebrecht a decisão proferida na Reclamação 43.007, envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro entendeu que, assim como no caso de Lula, houve conluio entre Moro e o MPF.
A PGR entrou com recurso questionando a extensão dos efeitos da decisão dada na reclamação. Segundo o órgão, não haveria aderência entre os casos do presidente e de Odebrecht.
Toffoli discordou. O ministro destacou que Odebrecht é corréu em ações penais que envolviam Lula e que tramitavam na 13ª Vara Federal de Curitiba, que era chefiada por Sergio Moro.
“No caso sub judice, o agravado não apenas era corréu em diversas ações criminais oferecidas contra o presidente Lula, mas também apontou o mesmo conluio, envolvendo os mesmos personagens, em atuação na mesma Vara Federal de Curitiba”, disse o relator.
“Sendo os fundamentos que conduziram ao reconhecimento do conluio também em relação ao ora agravante revelados de forma objetiva nos mencionados feitos, é certo que transcendem para as demais persecuções penais que sofreu perante o mesmo órgão jurisdicional e no mesmo contexto da operação ‘lava jato’”, prosseguiu.
Ao acompanhar o relator, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, afirmou que está devidamente demonstrado que houve um conluio entre o ex-juiz Sergio Moro e os integrantes da “lava jato” de Curitiba, o que também impactou nas ações contra Odebrecht.
“Aqui, como bem demonstrou o eminente relator, constam dos autos diálogos em que o ex-Juiz titular da 13ª Vara Federal e o então coordenador da ‘lava jato’ trataram especificamente da situação do agravado, mencionando seu nome e combinando iniciativas para impulsionar procedimentos contra ele instaurados”, disse.
“O pedido de extensão se justifica, assim, nessas condições singulares, com base em elementos objetivos anexados aos autos que demonstram que a investigação, prisão e condenação do agravado decorreram de estratégia concebida, organizada e executada pela força-tarefa da ‘lava jato’ e pelo ex-juiz federal Sergio Moro para inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa pelos seus advogados”, declarou Gilmar.