Desembargador do Piauí manda órgão ambiental dar licença para fazendas dentro de estação ecológica

O magistrado José James Gomes Pereira afirma que houve morosidade do órgão ambiental na análise da licença ambiental e determina que órgão permita o desmatamento de 74 mil hectares de Cerrado

Por JB AMBIENTAL com O Ecco

O desembargador José James Gomes Pereira

Por Daniele Bragança · Gabriel Tussini - Um desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí decidiu, em caráter liminar e monocrático, que a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí (SEMARH) deve emitir uma licença ambiental de duas fazendas para “evitar danos de grandes proporções à atividade econômica e ao exercício da função social da terra”. As duas propriedades estão localizadas dentro da Estação Ecológica de Uruçuí-Una, em Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí, uma unidade de conservação de proteção integral federal. Os autores solicitam permissão para converter 74,7 mil hectares de Cerrado em cultivo de soja e milho.

Os requerentes do mandado de segurança contra o órgão ambiental estadual alegam que solicitaram licença ambiental em maio, mas até o momento o órgão não deu respostas. Para o magistrado, “não é razoável que os Impetrantes sejam penalizados pela morosidade na análise do seu pedido administrativo de obtenção de Licença Ambiental Provisória”. O ICMBio, órgão responsável pela gestão da Unidade de Informação, não consta como parte da ação. 

Os reclamantes também acusam o Instituto de Terras do Piauí (INTERPI) de não ter respondido aos pedidos de Certidão de Regularidade Dominial para fins de licenciamento ambiental.

A decisão, proferida na semana passada (15/08), tem força de mandado de lei e determina “à SEMARH a expedição de Licença Ambiental Provisória, bem como, ao INTERPI a expedição da CRD [Certidão de Regularidade Dominial], até ulterior deliberação desse juízo. Determino ainda, que seja oficiado a SEMARH e o INTERPI, para que se proceda com a expedição dos respectivos documentos, de acordo com as determinações descritas acima”, decide o desembargador José James Gomes Pereira, da 2ª Câmara de Direito Pùblico.

A Fazenda Conesul, de propriedade da Conesul Colonizadora dos Cerrados Sul Piauiense LTDA, e a Fazenda Brejo das Meninas, de propriedade de Paulo Anacleto Garcia, querem permissão para desmatar 67.746 hectares e 7.362,29 hectares, respectivamente, para o cultivo de soja e milho. Mas enquanto a Brejo das Meninas, que tem um total de 14.067 hectares, possui uma área de uso consolidado de 1,3 mil hectares, a fazenda Conesul, com 102.495,98 hectares, é ocupada inteiramente por vegetação nativa.

Procurada, a chefia da unidade, administrada pelo ICMBio, afirmou ter sido pega de surpresa com a decisão, e lembrou que a unidade de conservação está totalmente inserida no Cerrado. “Com o avanço dos projetos agrícolas, é o único refúgio para os animais da região”, disse a administração, que lembrou que animais ameaçados de extinção, como lobos-guará, onças-pintadas e gatos-do-mato, vivem dentro de seus limites.

O ICMBio respondeu ainda, em nota (íntegra abaixo), que “é incompatível a presença de moradores dentro da unidade ou qualquer atividade que cause degradação ambiental” e que “não compactua com o uso indevido dentro de unidades de conservação”, mas frisou que não é parte no processo. O órgão lembrou ainda que “a fazenda mencionada foi autuada em 2015 por desmatamento de 2.431 hectares dentro da Esec, já transitado em julgado”, com multa de mais de R$ 4,8 milhões.

Sobre o argumento de caducidade do decreto de criação da Estação Ecológica, o ICMBio afirmou entender que ele “não tem fundamento, uma vez que os decretos de criação de unidades de conservação são submetidos a regime especial previsto em lei”.

A Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí e o Instituto de Terras também foram procurados para saber se já foram comunicados da decisão, se expediram as licenças e se recorreram da decisão. Os órgãos ainda não responderam, e o espaço segue aberto.

A Estação Ecológica de Uruçuí-Una possui 135.122,29 hectares e foi criada em junho de 1981. Como o prazo para pedidos de expropriação das propriedades rurais que estavam dentro da UC quando ela foi criada expirou, as desapropriações foram canceladas, mas, segundo decisão do TRF1, “eventual omissão do administrador não enseja a extinção da unidade de conservação, mas somente a caducidade do decreto expropriatório dos imóveis que ainda se acham titulados em favor de particulares”. Ou seja, “o fato de o Poder Público ainda não ter efetivado a desapropriação dos imóveis incluídos dentro da abrangência da

Estação Ecológica Uruçuí-Una não significa que os proprietários possam fazer uso incompatível do espaço, pois ele está sujeito a limitações ambientais e sociais”.

Os autores alegam que as fazendas funcionavam naquela área desde 1976, cinco anos antes da criação da unidade de conservação, e que portanto devem ser autorizados a continuar funcionando normalmente, mesmo dentro da Estação Ecológica. Em 2020, porém, a Advocacia-Geral da União (AGU), atuando em nome do ICMBio, obteve uma vitória na Justiça Federal do Piauí contra os donos das fazendas, que tentavam obter a autorização para funcionamento.

Íntegra da nota do ICMBio
Informamos que a Estação Ecológica de Uruçuí-Una é uma Unidade de Proteção Integral, criada pelo Decreto Federal s/nº de 02 de junho de 1981, com o objetivo de proteger e preservar amostras do ecossistema de cerrado. É incompatível a presença de moradores dentro da unidade ou qualquer atividade que cause degradação ambiental. Com relação ao processo questionado, o Instituto Chico Mendes (ICMBio/MMA) não é parte, e ainda não houve recebimento de qualquer intimação judicial a respeito do assunto.

O ICMBio não compactua com o uso indevido dentro de unidades de conservação, e quaisquer empreendimentos que causem impacto negativo a essas áreas devem ser avaliados por nossa equipe técnica. Justamente por isso, a fazenda mencionada foi autuada em 2015 por desmatamento de 2.431 hectares dentro da Esec, já transitado em julgado, com multa homologada no valor de R$ 4.862.000,00 (quatro milhões, oitocentos e sessenta e dois mil reais), bem como a manutenção do embargo da área até a comprovação da recuperação do dano.

Sobre a tese de caducidade defendida pela parte interessada, entendemos que não tem fundamento, uma vez que os decretos de criação de unidades de conservação são submetidos a regime especial previsto em lei.

(Matéria atualizada pela redação do Jornal do Brasil, com a inclusão do nome e da foto do meritíssimo desembargador autor da decisão)

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