Ex-secretário de Bolsonaro barra proposta brasileira na ONU sobre poluição plástica

Hoje no Ministério do Desenvolvimento, Washington Bonini admite influência da indústria de plásticos na decisão

Por JB AMBIENTAL com Agência Pública

Proposta brasileira listava 20 critérios para a avaliação de plásticos problemáticos, como danos a saúde humana e falta de reciclabilidade

Por Ana Carolina Amaral - Em meio às negociações da ONU que buscam chegar a um tratado pelo fim da poluição plástica, divergências internas dentro da delegação fizeram o Brasil desistir de enviar uma proposta de eliminação de plásticos problemáticos.

Os produtos listados na proposta, à qual a reportagem teve acesso, são os plásticos de uso único – descartáveis como sacolas, canudos, copos, pratos e talheres –, cosméticos com microesferas plásticas, filtros de cigarro com plástico e produtos com plástico oxibiodegradável.

O texto estava pronto para ser enviado ao Pnuma – o programa de meio ambiente da ONU, que conduz as negociações pelo tratado em Busan, na Coreia do Sul, até o próximo domingo (2).

No entanto, a ação foi barrada por Washington Bonini, representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) na delegação brasileira em Busan.

Por meio de mensagens em um grupo de WhatsApp que reúne a delegação, Bonini pediu na noite da quarta-feira (27), no horário de Busan (manhã de quarta no Brasil), que o Itamaraty segurasse a proposta. “Ou, se já enviaram, cancelem”, ele afirmou em mensagens obtidas pela Agência Pública.

Servidor de carreira do governo federal desde 2007, Washington Bonini chegou ao seu cargo mais alto durante a gestão Bolsonaro, quando foi secretário-executivo adjunto do Ministério da Justiça. Bonini trabalhou sob o comando do então ministro Anderson Torres, a quem chegou a representar em compromissos oficiais.

Atualmente no MDIC, ele chefia desde agosto de 2023 a divisão da indústria química na pasta. “Devido à minha experiência pretérita”, ele justificou sobre sua nomeação para a área. “Trabalhei com o tema ao longo da carreira, no [Ministério do] Planejamento, em vários ministérios.”

Questionado pela reportagem, Bonini afirmou que a decisão de impedir o envio da proposta brasileira visa a consultar Brasília sobre os impactos econômicos de possíveis banimentos.

Ele se recusou a informar quem estaria sendo consultado em Brasília, mas admitiu ter sido alertado sobre dificuldades no banimento por associações do setor presentes na conferência em Busan -– a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) e a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast).

“O que eles me falaram é que é muito importante ter critério, não dá pra tirar um coelho da cartola e dizer que isso [um produto plástico específico] é ruim”, afirmou.

O argumento é amplamente usado pela indústria para se opor às listas que especificam quais produtos e substâncias deveriam ser banidos. No entanto, a especificação decorre de critérios já acordados por especialistas reunidos pelo Pnuma.

A proposta brasileira listava 20 critérios para a avaliação de plásticos problemáticos –- como a falta de reciclabilidade, danos à saúde humana e ao ambiente, presença de substâncias tóxicas e disponibilidade de alternativas, além de impactos socioeconômicos e viabilidade técnica.

“Cuidado é sempre bom. A gente não sabe muita coisa sobre as consequências das políticas que a gente tá colocando”, afirmou Bonini, em referência aos impactos econômicos das proibições de plásticos.

Questionado sobre a existência de estudos de impacto econômico que pudessem basear a decisão de retirar a proposta brasileira da mesa de negociação da ONU, Bonini afirmou que essas análises não existem, mas que é possível partir da teoria geral de que, ao banir um produto, sua alternativa ficará mais cara no mercado.

Ele reconheceu, no entanto, que o escalonamento das restrições até a proibição – que só passaria a valer entre 2030 e 2035 – permitiria ao mercado o tempo de adaptação necessário.

Entre os exemplos que o preocupa, Bonini citou o banimento do PVC, largamente usado em encanamentos pela construção civil.

O material contém diversas substâncias tóxicas. Entre elas está o ftalato, um disruptor endócrino que afeta a reprodução em homens e mulheres, além de produzir efeitos cognitivos como redução da capacidade de raciocínio e de compreensão verbal. A substância também é ligada a doenças cardiovasculares e ao aumento de alguns tipos de câncer.

“As limitações que a gente tem na legislação brasileira não são banimentos, são limitações de conteúdo por massa e por aplicação”, apontou Bonini.

Entretanto, um estudo publicado em 2021 na revista científica Environmental Health, da editora BioMed Central, mostrou que o ftalato pode ter efeitos na saúde humana mesmo em níveis 8 mil vezes abaixo dos limites estipulados como seguros por agências de saúde nos Estados Unidos e na Europa.

Pressão da indústria petroquímica
A reportagem conversou com representantes da Abiquim, da Abiplast e também da Braskem – a gigante brasileira é a sexta maior petroquímica do mundo e se destaca pela fabricação de resinas como polietileno, polipropileno e também PVC (policloreto de vinila).

A posição da indústria brasileira é coesa com o setor petroquímico no restante do mundo: totalmente contrária às listas de restrição a plásticos problemáticos e a substâncias químicas tóxicas liberadas por eles.

As duas listas – dos plásticos e dos químicos – estão sendo rascunhadas em Busan sob forte bloqueio do grupo de países árabes, altamente dependentes da indústria petroleira.

Junto à Alemanha, o Brasil assumiu a posição de cofacilitador das negociações em Busan com foco justamente no tema mais contencioso: a definição dos limites para a produção de plásticos problemáticos e das substâncias químicas ligadas a eles.

A reportagem apurou que a diplomacia brasileira buscaria fazer uma ponte entre os países com propostas mais rigorosas para o banimento – principalmente os europeus – e o grupo de países árabes, que se opõem a qualquer imposição internacional sobre suas economias.

Em uma espécie de meio-termo, a proposta brasileira sugeria que a lista de produtos e químicos fosse compartilhada globalmente como recomendação, de modo que fique a cargo de cada país definir os prazos e as medidas cabíveis sobre cada produto nos territórios nacionais.

Embora defina posições de Estado, o Itamaraty articula suas propostas com as pastas do governo federal que lidam com os assuntos em negociação.

A praxe manda que os diplomatas só avancem proativamente em propostas nas negociações em que há acordo dentro do governo.

A reportagem apurou que, para costurar a posição que o país levaria a Busan, os secretários-executivos do MDIC e do Ministério de Meio Ambiente (MMA) se reuniram em Brasília pouco antes da conferência, iniciada na segunda-feira (25), e acordaram uma posição conjunta, com diretrizes que davam sinal verde para o Itamaraty.

Agora, a três dias do final da conferência, a diplomacia brasileira busca costurar um tratado pelo fim da poluição plástica sob uma mesma oposição dentro e fora de casa: a da indústria.