ARTIGOS
Reconstrução
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 14/05/2023 às 08:57
Alterado em 14/05/2023 às 08:57
Estamos em tempo de reconstrução. Aos poucos, nosso desespero com a anarquia do oito de janeiro se transforma em perplexidade diante do golpe baixo, no sentido amplo e múltiplo da baixeza humana, sem falar no perjúrio diante da Constituição, do povo, da nação. Uma página a ser acompanhada em seus desdobramentos policiais e jurídicos, sem desvio do direito de defesa de quem quer que seja, mas também sem chicanas que frustrem o indispensável dever de reparação que exige a sociedade. A cidadania.
Cidadania que, diga-se com toda ênfase, também se reconstrói depois de se ver abusada em sua boa-fé, em sua credulidade religiosa, em sua legítima aspiração de viver em paz, de ganhar o pão com o trabalho justamente remunerado e de circular entre seus iguais sem temor da violência ou do esbulho, da indiferença do poder público e do descaso com a educação, a saúde e o bem-estar social, todos, princípios consagrados em nossa Constituição de 1988.
Reafirma-se assim a conjugação indispensável e indissociável entre Democracia, de um lado, e o desenvolvimento social e econômico, de outro.
Erram os que — infelizmente, não poucos — nos propunham a autocracia, quando não o totalitarismo , como nova ordem política, revestindo de lantejoulas trapos rasgados pelo comunismo, pelo nazismo ou pelo fascismo, que de uma forma ou de outra havíamos julgado mortos.
Sabemos que não estamos sós nesta travessia. Muito nos entristece igualmente que a recandidatura Trump insista em se viabilizar apesar de uma maioria não tão silenciosa manifestar publicamente o desejo de que sequer fosse cogitada. Mas, o ego deformado de autocratas só sabe ouvir suas próprias ambições narcísicas muitas vezes embaladas por uma corte de seguidores cuja identidade genética se confunde com o medo à liberdade, a valorização de um passado mítico e a insustentável tentativa de transferir para uma figura castradora as dimensões inesgotáveis de nossas oportunidades.
Triste não ver nosso lugar de preeminência na geopolítica deste século 21, até agora tão preso a uma visão desagregadora de nosso destino neste planeta. Somos, por força de nossa dimensão territorial, por nossos recursos minerais e naturais e também pela miscigenação de nosso povo, uma sociedade sem igual. Falta-nos, apenas, a determinação de tornarmos realidade os ideais democráticos e de justiça social inscritos em nossa Constituição.
Talvez nos falte, sobre todas as coisas, compreender que o exercício da cidadania não se exaure no importantíssimo processo eleitoral, mas que se estende por nossa vida pública e privada, a nos impor a tarefa de lembrar a nossos representantes, sobretudo no Parlamento nacional, que muito nos indigna nesta hora de reconstrução, o debate, já mais do que caduco, de colocar em risco a harmonia entre os Poderes da República ou, pior ainda, desvirtuar sistematicamente a busca de soluções consensuadas em nome de uma “pureza” doutrinária política ou econômica.
Reitero o que venho repisando neste e em outros artigos: é falso afirmar que o Brasil não tenha projeto ou planos. Concordo que poderíamos, como já fizemos no passado, estabelecer metas, inclusive quantitativas, em torno dos princípios e objetivos de nossa Carta Constitucional onde não faltam preceitos a serem atingidos pela nação brasileira em áreas sensíveis como educação, saúde, justiça social, dentre tantos.
Por que não se poderia quantificar o número de escolas que precisamos abrir nos próximos quatro anos? O número de centros de triagem e assistência à saúde com vistas a desafogar a pressão inadministrável sobre nossos hospitais do SUS?
Seriam tarefas em que Municípios, Estados e a própria União alocariam aportes orçamentários de comum acordo. Será que um esforço neste sentido, com a integração vertical dos governos municipais, estaduais e federal não seria mais salutar do que a salada russa do orçamento secreto e outros jeitinhos?
Obviamente, uma reorientação de nossos governos nesta direção pressupõe uma mais estreita relação do capital privado com o setor público, coisa que obviamente interessaria o investimento externo produtivo.
Tão importante quanto esta reorientação de esforços no plano interno seria inaugurarmos com nossos parceiros uma conversa "olho no olho “sobre acordos comerciais. E poderíamos começar sobre a renegociação do acordo Mercosul- União Europeia. Nosso ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, com a elegância de gestos e palavras que tanto nele admiro, em encontro formal no Senado Federal, deixou claro que o Brasil está disposto a negociar. Resta saber se Bruxelas entenderá.
Domingo próximo pretendo falar sobre o acordo Mercosul- União Europeia e saúde. Até lá.
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EM TEMPO: este artigo já estava escrito quando leio nos jornais o amplo impulso dado por nosso ministro da Educação, Camilo Santana, e Lula, ao ensino primário e médio em tempo integral . O governo pode ter suas controvérsias, mas finalmente temos sensibilidade e mostramos determinação para com nossos filhos. Com a sistemática de ensino integral, as crianças ficam entre sete a nove horas na escola. Desta forma, em três gerações, o Brasil será outro. Um Brasil do Bem.