A concessão do Jardim de Alah, judicialmente contestada, seria temerária?

Por SONIA RABELLO

A Prefeitura do Rio anunciou para esta quarta-feira, dia 8, a assinatura do contrato de concessão do Parque público Jardim de Alah à empresa privada Accioly Empreendimentos e Entretenimento Ltda. Atitude surpreendente e, talvez, administrativamente temerária, uma vez que a licitação que gerou o contrato a ser assinado está sendo contestada diretamente, até o momento, por quatro ações judiciais: uma Ação Popular (AP) [1], promovida por três cidadãos da Cidade, uma Ação Civil Pública (ACP) [2], promovida pelo Ministério Público Estadual (RJ), um Mandado de Segurança [3] e uma Ação Anulatória da licitação [4], ambas promovidas pela Duchamp Administradora de Centros Comerciais S.A que participou, como interessada, na referida licitação.

Há, ainda, uma quinta ação [5] que determina que o Município e o Metrô recuperem o Jardim deteriorado pelas obras ali realizadas na época da Olimpíada, cuja decisão do STJ ainda não foi cumprida!

O que estas quatro ações judiciais têm em comum? Todas contestam a validade da licitação promovida pelo Município. Cada uma delas por motivos jurídicos um pouco diferenciados. As duas primeiras, a Ação Popular e a Ação Civil Pública, com fundamentos de interesse público, com ênfase no descumprimento da Lei Orgânica do Município e outras leis municipais; as outras duas – o Mandado de Segurança e a Ação Anulatória - contestam o julgamento da licitação e a forma “subjetiva”, portanto, ilegal da avaliação das propostas dos licitantes, feita pela Comissão de Licitação da Prefeitura.

Quem, em sã consciência, prosseguiria com a assinatura de um contrato de mais de R$ 100 milhões tendo, até o momento, quatro ações judiciais que diretamente o contestam? Excesso de confiança ou amor ao desafio, ao temerário?

E é bem provável que outras ações judiciais surjam, já que o projeto de ocupação privada e de edificações para o Parque público, que é tombado, propõe claramente a sua descaracterização, o que é vedado pelo tombamento. Além disto, o projeto afeta o entorno da área de amortecimento do patrimônio mundial: a Lagoa Rodrigo de Freitas, e as praias de Ipanema e do Leblon. Que órgão patrimonial terá a coragem de licenciá-lo? Com quais argumentos? Será que o prefeito usará o subterfúgio de destombar o Jardim de Alah, tombado pelo seu antecessor, o ex-prefeito César Maia, só para viabilizar o seu projeto de edificações comerciais no local? Nada é impossível de supor, a esta altura da obsessão.

Há ainda a seríssima questão ambiental do tratamento do estuário das águas do canal natural do Jardim de Alah, que faz o trabalho de desague da Floresta da Tijuca e a comunicação ambiental da Lagoa com o mar. Neste ponto, a questão é dramática, pois as edificações comerciais propostas para o local podem comprometer definitivamente o estuário das águas dos rios que vem da Floresta da Tijuca, e que desaguam na Lagoa, fazendo um movimento de retroalimentação com o mar. Seria dramático para o meio ambiente local, e para a Cidade, prosseguir qualquer projeto de ocupação urbana da área do Jardim sem um profundo estudo de impacto ambiental e de vizinhança!

Por isso, não há qualquer dúvida que outras ações judiciais virão, já que o licenciamento na Prefeitura – ambiental, urbanístico e patrimonial - será dado, pois será conduzido pela vontade ideológica e marcial da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Urbanístico, que atualmente dá a palavra única e final nos licenciamentos da Prefeitura do Rio. É carta certa neste baralho.

As ações judiciais, repita-se, virão e prosseguirão, apesar de quem reclame das judicializações. Mas, em casos como este, em que as propostas são desafiadoras em relação aos interesses públicos fundamentais do urbanismo, do meio ambiente e do patrimônio cultural, elas são necessárias e bem-vindas.

Só assim, quem sabe, a Prefeitura do Rio deixe de vez o triste hábito das intervenções sem estudos e sem planejamento adequado, evitando que, futuramente, nós cidadãos, tenhamos que, mais uma vez, pagar a conta do “leite derramado”, em virtude das obras rápidas e mal feitas do governo municipal.
Nota: para ilustrar o movimento do canal, vale assistir o vídeo [6] sobre a tomada do mar no último domingo, dia 5, com o comentário de um especialista, o engenheiro Paulo Cesar Roman sobre o assunto.

 

Sonia Rabello, Jurista, Professora Titular de Direito da UERJ (aposentada), ex-procuradora geral do Município do Rio de Janeiro

 

Notas
[1] Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1borcpBhcucVBHSQrKhiTv_kbaWU1qEn6/view
[2] Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1tIiab57SfcQdE8wZ71fl_pnzqCRfUKNo/view
[3] Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1FzsEdf3KNSVCC53iYQTb_UAVVkptCO0M/view
[4] Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1tKXiJL5U0WSM0xQZIBkq9-VSbmbEQ6tL/view
[5] Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1sexaJmcrU3td-iXO5-daZoQ5kjuZRkg2/view
[6] Disponível em: https://www.instagram.com/reel/CzW10Fduv17/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng%3D%3D