Que advento esperar do terror?
Há mais de um mês o mundo inteiro, mas especialmente os territórios israelense e palestino vivem um drama de proporções inesperadas. No dia 7 de outubro o grupo terrorista Hamas invadiu residências (kibutz) de famílias e um baile rave onde jovens cantavam e dançavam . Semearam morte e terror, levando mais de duas centenas de reféns, entre eles mulheres, crianças (algumas delas bebês), idosos de ambos os sexos.
O terror não ficou sem resposta. Israel respondeu e se defendeu. O resultado é que há mais de um mês assistimos a ataques e bombardeios constantes, provenientes de ambos os lados da contenda, destruindo bairros e territórios situados na faixa de Gaza, bombardeando casas e hospitais, aterrorizando a vida de famílias inteiras e numerosos civis.
Há alguns dias a libertação de alguns reféns de ambos os lados trouxe esperança de um cessar do conflito. Mas isso não parece tão perto de acontecer. Ainda há medo, susto, e respira-se um ar de violência e morte ali no Oriente Médio, na mesma latitude para a qual se voltam nesta época do ano os olhares dos cristãos. Aquela parte do mundo tem sido a terra prometida, a terra santa das três religiões do tronco abraâmico: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Agora o mau odor da inimizade parece imperar pelo menos entre dois desses povos. E tende a tornar opaco o mistério celebrado pelo Cristianismo do nascimento de Jesus em Belém de Judá. Sobre isso nos falam os escritos de alguns profetas, entre eles Miquéias.
Miqueias é um profeta do qual não nos chegaram tantos escritos. Sabe-se que é nascido em Moresete, uma pequena cidade da região de Judá, no século VIII AC. Viveu em um período de grande instabilidade política e social, marcado por conflitos internos entre as tribos de Israel e com as nações vizinhos, como a Assíria. Suas palavras estão dirigidas principalmente para a condenação da injustiça social e a corrupção entre os líderes religiosos e políticos de Israel.
Mas Miqueias não só denunciou. Também anunciou. Anunciou a chegada do Messias que viria da pequena cidade de Belém e seria alguém justo e poderoso. Em seu livro lemos:
1Agora, pois, reúne as tuas tropas, ó cidade das tropas; e fortifica teus muros, ó cidade murada; porquanto já há um cerco contra nós...2“No entanto tu, Bete-Lechem, Belém, Casa do Pão; Ephrathah, Efratá, Frutífera, embora pequena demais para figurar entre os milhares de Judá, sairá de ti para mim aquele que será o governante sobre todo Israel, cujas origens são desde os dias da eternidade!” 3Por este motivo os israelitas ficarão abandonados sob o domínio do inimigo até ao tempo em que aquela que está em dores de parto tiver dado à luz; quando então o restante dos irmãos do governante voltará para unir-se aos israelitas.…
Na Bíblia Cristã, o evangelho de Mateus, dirigido sobretudo a cristãos oriundos do judaísmo, retomará as palavras do profeta para falar de Jesus, em quem a comunidade reconhecia o Messias esperado. : “Após o nascimento de Jesus em Belém da Judéia, nos dias do rei Herodes, eis que alguns sábios vindos do Oriente chegaram a Jerusalém.” (Mt 2,1) O evangelista deseja aqui recalcar em seus leitores o cumprimento da profecia outrora feita pelo profeta Miqueias sobre a cidade de Belém e sobretudo sobre o Messias.
Vinte e um séculos depois da escritura de Mateus e muitos mais da profecia de Miqueias, os cristãos começamos a celebrar o tempo do Advento, que antecede a festa do Natal, de luz e de esperança. E nesse tempo nossos olhos se voltam para Belém Efrata, cidade pequena, mas frutífera. E sobretudo cidade tão próxima aos últimos acontecimentos terríveis e dolorosos que ainda estamos presenciando. E esse olhar se dirige ao tempo em que “aquela que está em dores de parto tiver dado à luz...” Por enquanto, este parto ainda mostra não muito mais que suas dores e contrações e não se vislumbra o tempo de paz tão desejado. E, no entanto, o ventre da mulher grávida é sempre uma esperança de que algo vivo e novo pode sair até mesmo do terror, da violência e do medo.
Que assim seja e que aqueles que estão cativos sejam libertados, que não haja mais mortes, mas que a pequena Belém de Judá possa mostrar alguma luz não apenas aos cristãos, mas ao mundo e à humanidade inteira.
Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Viver como crentes no mundo em mudança” (Editora Paulinas), entre outros livros.