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Duas décadas: Brics em perspectiva
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Publicado em 06/12/2023 às 21:56
Alterado em 06/12/2023 às 21:56
Os BRICS surgiram como acrônimo - inicialmente BRIC (Brasil, Rússia, India e China) - criado por Jim O’ Neill, economista-chefe da Goldman Sachs. Em 2001, ele afirmava que o contexto geopolítico das finanças globais já não coincidia com o dos tempos de Bretton Woods. Uma nova era estava surgindo, e mudanças nas representações de interesse deveriam ser consideradas. O “G7”, assim como outras organizações de cunho econômico, deveria “abrir espaço” para as crescentes economias do Brasil, Rússia, Índia e China, visto que: “quer você olhe para o futuro em termos de dólares atuais (current dollars) ou de Paridade do Poder de Compra (PPP), as posições relativas dos países-chave na economia mundial estão mudando”1.
A partir de 2006, o acrônimo inspirou os países que formavam a sigla a, de fato, se unirem. A reunião dos Chanceleres dos países do BRICs aconteceu à margem da 61a Assembleia Geral da ONU, mesmo que esses países ainda pouco tivessem relações de interesse comuns em concreto, além da condição de isolamento das decisões globais e o sensível crescimento de suas economias. Basicamente, a transformação do acrônimo em grupo teve como objetivo se contrapor às permanências da ordem mundial estabelecida pelo Tratado de Bretton Woods. É válido ressaltar aqui a relevância do tratado para o estabelecimento da hierarquia político-econômica global pós Segunda Guerra Mundial, visto que foi neste, diante das consequências do conflito e da necessidade de reestruturação da Europa, que as principais organizações de governança internacional atuantes hoje foram desenvolvidas.
Em 2011, a África do Sul entrou para o Grupo por ser um "player bridge-builder" representativo do continente africano como um todo. Não se trata de uma instituição propriamente dita, dada sua natureza informal, sendo guiado pela vontade e disputa política de seus membros. Desse modo, o caráter de suas relações comerciais e desenvolvimento de projetos são relativos aos interesses dos governos vigentes, assumindo conflitos ideológicos entre os integrantes. Entretanto, desde sua formação, as relações entre os países membros tornaram-se substanciais, sendo os resultados mais relevantes o aumento da balança de troca comercial e o desenvolvimento do chamado “Banco dos BRICS”.
Seriam os BRICS um bloco econômico? Não. O BRICS, ao contrário do que se pensa, pode ser considerado uma aliança econômica, ou ainda um grupamento econômico. Assim tem sido, nas duas últimas décadas, como acrônimo. A principal característica para o termo é a razão de sua informalidade. Não há um documento formalizando a criação desse grupo como um estatuto ou memorando, como é o caso do Mercosul, União Europeia e APEC, por exemplo. As reuniões se baseiam nos interesses e políticas de Estado vigentes dos governos. Além disso, não há um secretário-geral, que seria a figura representativa dos países, atuando como porta-voz.
Pode-se dizer, contudo, que os chamados países emergentes ganharam seu lugar no mundo. Para além de quatro dos cinco participantes estarem dentro das 10 economias com as maiores reservas cambiais, os BRICS hoje representam 31,5% do PIB global, batendo os 30% do G7. A meta dos países é a de alcançar 50% do PIB global em 2030, junto do processo de mudança de “produção” para “inovação”. A mudança já é perceptível na economia indiana, que tem a expectativa de uma receita, só na indústria de tecnologia, estimada em US$245 bilhões, contra os US$326 bilhões de exportações de petróleo da Arábia Saudita. Outros pontos fundamentais dentro do bloco são a sua grandeza territorial, que conta com e tem 3,27 bilhões de pessoas, e 1/4 do território mundial.
A força a que Jim O’Neill se referia no início do século XXI não é bélica - até os anos 90, ela era fundamental para garantir representatividade no Sistema Internacional, certamente por conta da Guerra Fria. Trata-se do poder influência na política internacional. Segundo Celso Amorim - ex-ministro das Relações Exteriores dos governos Lula - “o surgimento do BRICS no formato atual constitui uma verdadeira revolução no equilíbrio mundial, que se torna mais multipolar e democrático”.
O grupamento econômico, dentro de seu formato - ousa-se afirmar -, vem se organizando como um bloco de projeção de poder - político e econômico (em menor medida). Os países BRICS vêm buscando agenda no sentido de conseguir maior legitimidade e participação nas decisões internacionais, o que explica a vontade de outros países de integrar o Grupo. O Brasil, por exemplo, busca um lugar cativo no Conselho de Segurança da ONU, mesmo sendo o único país da atual aliança que não tem o PIB na casa dos trilhões de dólares, ou no âmbito político, sendo mais um “player” forte regionalmente, mas pouco expressivo nos debates do chamado “Sul Global”.
Autores: Christiane Itabaiana Martins Romeo, Doutora em Ciências Políticas e professora do Ibmec Rio
Bruno H. Lira; Thiago Valle Ferreira; Pedro Antônio Tebaldi (estudantes do Ibmec Rio)