ARTIGOS

Mundo vasto mundo

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 10/12/2023 às 09:04

Alterado em 10/12/2023 às 09:04

Não. Não escreverei hoje sobre o mundo imaturo de Maduro ou o mundo milongueiro de Milei e muito menos sobre o mundo traiçoeiro de Trump e suas tramoias em tramitação.

Escreverei sobre as pesquisas de opinião a retratar um brasileiro substancialmente mais orgulhoso de ser brasileiro, como não se orgulhava desde 2005. Pensem bem, estimados leitores, no significado desta revelação do sentimento popular. Seu impacto em nosso nível de cidadania.

Nós que iniciamos este 2023 sobre as névoas nauseabundas do 9 de janeiro, chegamos neste dezembro cansados e suarentos, mas com um sorriso ineludível de vitória. O consumo das famílias aumentou, o emprego formal se aproxima dos tempos pré-pandemia e, sobretudo, apesar do bolorento jogo de abafa do Congresso, a economia se reequilibra.

E vejo por aí o ar constrangido dos neoliberais de sempre a reconhecer que o “homem tem sorte“, fórmula matreira de evitar assumir que se está diante de uma evidência para muitos absolutamente consagradora. Numericamente bem maior que os votos apurados em outubro de 2022.

Aviso aos navegantes, apesar de toda a revoada de gafanhotos a ameaçar a vida pacífica da América do Sul, não será ainda desta vez que a estupidez ou a anarquia vencerá nossa determinação de retomarmos nossa marcha na construção de um Brasil ordeiro e menos socialmente desigual, nos termos que nos impõe a todos a Carta Constitucional de 1988.

Mas, antes que me contradiga e enverede pela atração magnética da crônica política, espero que neste Natal retomemos o bom e saudável hábito de encontros familiares, despidos de polarizações ideológicas divisivas. E sugiro, sobretudo aos homens e mulheres nascidos nos anos 40, um excelente livro escrito nos tempos em que estávamos na primeira infância.

Uma nota aos leitores que a esta altura estarão a se perguntar se virei um saudosista ou pior um macróbio reacionário a valorizar o passado, como forma suprema de nossa cultura. Muito ao contrário, recomendo o livro pela excelência de seu texto, sua altíssima relevância para compreendermos o Brasil em que a geração de 40 cresceu e a estrada que percorremos até nossa entrada na juventude com os altos e baixos que conhecemos nos anos 60.

Refiro-me ao livro, infelizmente só encontrável em sebos, de Álvaro Lins, “os mortos de sobrecasaca”. Álvaro Lins foi um brilhante professor de Literatura no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro nos anos 40. Membro da Academia Brasileira de Letras e chefe da Casa Civil de JK nos anos 50, Álvaro Lins foi Embaixador do Brasil em Portugal onde sofreu na carne a mão pesada da Ditadura Salazarista, num triste episódio em que JK curvou-se aos pleitos do Ditador, levando Álvaro Lins a afastar-se de seu posto e do próprio presidente do Brasil.

Há pelo menos dois livros de Álvaro Lins que os jovens e os não tão jovens diplomatas brasileiros deveriam ler. A biografia do Barão do Rio-Branco e “Missão em Portugal” onde se relata o incidente diplomático.

Venho agora sugerir aos que se interessam pela história do Brasil através de sua literatura - e não apenas pela História literária do Brasil - “os mortos de sobrecasaca” livro que Enio Silveira publicou nos anos 60 com parte substancial do labor crítico de Álvaro Lins nos anos 40.

Como estou a escrever esta crônica no mesmo passo vagaroso de um passeio pelas ruas de uma cidade a descobrir, vou aqui convidá-la, estimada leitora, a fazermos um pequeno desvio para falar de Enio Silveira e sua editora Civilização Brasileira. Minha geração muito deve a Enio e sua coragem de publicar livros de sociologia e ciências políticas que, juntamente com a Editora Zahar, permitiram nosso acesso ao que de melhor se editava no Brasil e no Mundo. O golpe militar de 1964 sufocou a ambas, com a acusação sempre ridícula de estarem a serviço da máfia comunista. Enio Silveira foi preso e sumiu do mapa editorial.

“Mortos de Sobrecasaca” é um dos bons livros dessa época e o exemplar que guardei desde sempre está hoje com muitas páginas rugosas como estrias de senilidade a embaçar o português claro e sempre vital de Álvaro Lins.

Vejo agora que este nosso passeio por ruelas arborizadas foi já longo e nada falei do principal. Vai, aqui, portanto, o essencial, antes que voltemos às ruas esburacadas de nossos dias.

O bom de ler as críticas de Álvaro Lins é ver, dentre outras joias, a penetração de seu olhar profético sobre os então jovenzinhos Érico Veríssimo, Carlos Drumond de Andrade, Vinicius de Moraes, Nelson Rodrigues, Marques Rebelo e tantos outros que com seus romances e poesias iluminaram as estradas que minha geração arriscadamente percorreu.

De lambujem, você reconstrói a complexa arquitetura de nossos dias e a razão por que as pesquisas de opinião pública mostram um brasileiro mais orgulhoso de seu país. Cada vez mais.

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado