Revolução no mercado do entretenimento e empoderamento artístico

Por CAROL BASSIN e JULIANA ALVES

No último dia 4 de maio, a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, foi palco de um dos maiores eventos da música pop mundial que marcou o encerramento da “The Celebration Tour”, décima segunda turnê da cantora norte-americana Madonna que celebrou os seus quarenta emblemáticos anos de carreira. Seja fã ou não, um fato é inegável: Madonna fez e faz história e o seu último show foi um marco.

Sobre o evento propriamente dito, o governo do Estado do Rio de Janeiro apresentou um balanço de tirar o pouco de fôlego que nos resta depois desse inesquecível espetáculo: foram mais de 1,6 milhão de espectadores, com cerca de 150 mil turistas nacionais e internacionais, e 96% de ocupação do setor hoteleiro da cidade.

Sob a ótica financeira, outra grata surpresa: além, obviamente, dos investimentos privados das marcas, os governos municipal e estadual do Rio investiram R$ 10 milhões cada nessa apresentação e tiveram um retorno de mais de R$ 300 milhões para a economia fluminense [1].

O megaevento não seria apenas o maior da carreira da rainha do pop, mas também está entre os cinco maiores shows realizados no Rio de Janeiro [2].

Aqui, é necessário compreender dois importantes aspectos para não reverberar inverdades ou meia verdades. O primeiro e mais óbvio deles é que eventos como esse aquecem a economia local e são benéficos, não só para a alma, mas também para o “bolso”.

Além dos retornos oficiais passíveis de mensuração, como é o caso, por exemplo, dos estabelecimentos de hospedagem e alimentação, vale lembrar dos números não oficiais do gigantesco mercado informal de produtos e serviços, com milhares de oportunidades de trabalho que giram em torno de um evento desse porte. Isso sem mencionar o efeito positivo que traz para a sociedade, com o oferecimento de um entretenimento gratuito, em uma legítima manifestação do necessário acesso democrático à Cultura e ao Lazer, um dos deveres estatais printado em nossa Constituição Federal [3].

O segundo e igualmente importante aspecto é compreender a distinção essencial entre despesa pública e investimento. Confusão essa, inclusive, corriqueira quando estamos lidando com sistemas públicos de fomento, como é o caso, por exemplo, da Lei Rouanet, nossa Geni da Cultura, que, vira e mexe, leva uma pedrada, apesar de servir ao coletivo.

Não procede o entendimento de que “é tirado dinheiro da Saúde para pagar um show”. Em brevíssimas linhas e numa síntese apertada, dada a complexidade do tema, não é assim que funciona a gestão do Orçamento Público.

Ao aportar recursos num evento como esse, cujo retorno é garantido e que tem como um dos principais efeitos aquecer a economia, os governos não estão “gastando”, mas sim “investindo”. Esse investimento, que aqui vamos chamar de “Fomento”, pode se dar tanto de forma direta, com um repasse, como de forma indireta, através das inúmeras leis de incentivo fiscal. Ao contrário das notícias repassadas nas redes sociais, o evento foi patrocinado pelo Banco Itaú, a empresa Heineken, com o apoio da Prefeitura e do Governo do Estado do Rio de Janeiro [4].

Trata-se de uma prerrogativa estatal também prevista na Constituição Federal [5] e que é usada como um instrumento público de fomento em inúmeros setores da economia, como, por exemplo, o energético e automobilístico. Mas, ao que tudo indica, só causa “choque” quando o alvo é a Cultura e o Entretenimento.
E por falar em choque, não poderíamos encerrar sem manifestar o nosso impacto promovido com a homenagem prestada, trazendo a silhueta dos dois ícones que marcaram gerações (Madonna e Michael Jackson), as versões que consolidaram a carreira de Madonna, o conjunto de toda a linha do tempo por quatro décadas que torna incontestável o poder da arte em uma das suas maiores potências, a liberdade de expressão sem censura, com audácia e testemunhada pelo público geral, trazendo as atenções para o sagrado e profano.

Neste dia, enquanto alguns tiveram o sono da redenção causado pelo empoderamento e celebração de suas verdades pessoais, outros foram dormir um pouco mais estremecidos e chacoalhados ao som libertário de centenas de leques coloridos ressoando, enquanto nossos maiores símbolos nacionais eram homenageados e resgatados naquele imenso palco verde e amarelo.

 

Carol Bassin, Advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral

Juliana Alves, Advogada voltada para área do direito autoral, entretenimento e contratos

 

Notas:

[1] https://www.terra.com.br/diversao/musica/show-de-madonna-injetou-mais-de-r-300-milhoes-na-economia-do-rio-de-janeiro,b5c7667ea8852599dbca07d078eb1fc8iw3a5vnv.html

[2] https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2024/05/06/show-da-madonna-no-rio-esta-entre-os-cinco-maiores-da-historia.ghtml

[3] Constituição Federal de 1988, Art. 5º, inciso IX.

[4] https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/governo-federal-nao-patrocinou-show-da-madonna-no-rio

[5] Constituição Federal de 1988, Art. 215.