Câmara do Rio escala a sua 'PEC' do desmonte das áreas verdes, praças e jardins públicos
A Câmara de Vereadores do Rio colocou em pauta para votação, nesta semana, a “PEC” de desmonte das suas áreas públicas verdes, parques e jardins. E como?
Agendou a 1ª votação de uma emenda à sua Lei Orgânica (que é a constituição municipal) para alterar o art. 235, vigente desde 1990, e que protege as mesmas da descaracterização e do seu desmonte, direto ou indireto. Diz o art. 236 da LOM:
“As áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo proibida sua concessão ou cessão, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere suas características originais”
A proposta de emenda para modificar o art. 235 veio do novato vereador Pedro Duarte (Novo). Ela dá nova redação ao referido artigo para retirar-lhe o trecho final, justamente na parte que protege as características originais dessas áreas ambientais da Cidade. Ou seja, destrói e desmonta o propósito da manutenção da integridade desses espaços da cidade.
A redação da proposta de emenda diz o seguinte:
"Art. 235. As áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo autorizada sua concessão ou cessão.
Parágrafo único. Quando a área verde, praça, parque, jardim ou unidade de conservação constituir imóvel público tombado ou preservado, a autorização da concessão ou cessão dependerá da avaliação do órgão de patrimônio cultural."
Ora, dizer que o patrimônio é inalienável, mas permitir a sua cessão ou concessão é uma fórmula malévola do “engana que eu gosto” repassada à população. Sabemos que a inalienabilidade (proibição de venda, doação ou transferência de domínio) destas áreas é quase impossível, pois depende de desafetação e de autorização legislativa. Mas, cessões ou concessões destas áreas a particulares é uma fórmula transversa de permitir passar a totalidade destas áreas a particulares, por 30, 40 ou até mais anos, sem “sujar” a imagem e as mãos do político que o fizer, já que ele dirá sempre que não está vendendo o bem público.
Dirá que está concedendo, por vários anos, décadas, e até um século, sempre com a desculpa do estado de abandono, ocasionado por ele mesmo, ou alegando a sua incapacidade de gerir os bens públicos da cidade. Então para que mesmo serve o governo?
No final, a consequência é a mesma ou pior: a abertura total da porta para alienações, disfarçadas de concessão, dos bens ambientais e de uso comum do povo da cidade.
Note-se que a proposta diz que – jardins, praças, áreas verdes, unidades de conservação – todas estas áreas poderão ser cedidas, concedidas a particulares, para qualquer fim, sem qualquer garantia de manutenção de seu uso público do povo, sem garantia da conservação integral ambiental, sem garantia das finalidades públicas das áreas!
A ressalva do tombamento, contida no parágrafo único do projeto, nada garante: nem o uso público das áreas verdes e de uso comum do povo, nem as suas características originais, e nem mesmo que continuarão como áreas ambientais públicas!
Esta proposta representa um ataque às garantias mais básicas da proteção ambiental da cidade, não só das áreas verdes e unidades de conservação, como também do uso comum das praças públicas e dos jardins pelo povo.
Ao tempo em que se cobra, no Rio Grande do Sul, quais os políticos responsáveis pelo desmonte da legislação ambiental daquele Estado e dos municípios gaúchos, é inacreditável que no Rio de Janeiro tenhamos que ficar de olho no nome dos parlamentares que poderão começar, na cidade, tal retrocesso e insensatez ambiental.
Será que o Rio passará a sua “PEC” da privatização e desmonte de áreas públicas verdes em pleno século XXI? Quais os vereadores gravarão a sua digital nisso, já que a responsabilidade, neste caso, é totalmente deles!
Sonia Rabello, jurista, ex-procuradora-geral do Município do Rio de Janeiro e Professora titular na FDir/UERJ (aposentada)