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Cláusula Juliette: Direitos de exclusividade na exploração da imagem

Por CAROL BASSIN e LETÍCIA SOSTER ARROSI

Publicado em 12/07/2024 às 20:20

Alterado em 12/07/2024 às 20:20

Migrar do anonimato para a “fama” através da participação em um reality show é, de fato, a tão esperada e garantida chave do sucesso financeiro? Para o público que presenciou o surgimento meteórico e lucrativo de grandes personalidades da mídia, a exemplo de Juliette e Gil do Vigor, a última edição do Big Brother Brasil deixou um rastro de dúvidas e muita polêmica.

Inicialmente, vale lembrar que o uso da imagem de alguém, no âmbito jurídico e negocial, é um importante ativo. E quando a exploração de uma imagem vem agregada à ativação de marcas patrocinadoras, a exclusividade passa a ser um aspecto fundamental na negociação das partes interessadas.

Deve-se, além disso, pontuarmos o conceito jurídico do direito de imagem, que é considerado um dos direitos intrinsecamente ligados à própria personalidade. Sendo assim, o direito de uso da imagem de alguém não se transfere, nem tampouco se cede. Há apenas a autorização do uso que pode se dar de forma gratuita e/ou remunerada, através do repasse dos lucros auferidos com a exploração dessa imagem; também chamado comumente de royalties.

Sob a ótica do direito autoral, nos incisos do art. 29 da Lei nº 9.610/98, estão determinadas as formas como podem ocorrer a utilização de obras criativas contendo a imagem de pessoas, dentre as quais podemos destacar: (i) a exibição audiovisual, como programas de televisão, filmes ou telenovelas, ou, ainda, (ii) a exposição de obra figurativa, como fotografia. Isso quer dizer que, sempre que tais conteúdos forem veiculados no cinema e na televisão, ou, ainda, forem utilizados pelas marcas em campanhas publicitárias, será necessária uma dupla autorização: a do autor da obra (por força da nossa legislação que confere ao autor a exclusividade de utilização de sua obra) e, claro, a da própria pessoa retratada que participa e/ou atua em tais obras. Nos respectivos contratos firmados com esses titulares (sejam autores das obras, sejam pessoas retratadas), tal autorização precisa estar expressa, delimitada no tempo e no espaço, com os usos pretendidos definidos, a respectiva remuneração estabelecida e, claro, a tão preciosa exclusividade acordada.

No pulsante mundo do entretenimento, temos o fenômeno da construção de uma imagem através de uma produção audiovisual, como o caso do programa Big Brother Brasil, produzido e veiculado pela Rede Globo. Foi por causa deste programa que surgiu a popularmente denominada “cláusula Juliette”, objeto deste artigo.

Através do BBB, alguns participantes do programa, como a própria Juliette, tem o potencial de passar de dezenas ou centenas de seguidores nas redes sociais para milhões deles, e, por isso, acabam tendo a sua imagem cobiçada pelas marcas no mercado publicitário. Assim, através desta cláusula, estas novas celebridades criadas a partir do programa têm certas regras de exclusividade com a emissora responsável pela veiculação do reality show, onde, segundo matérias jornalísticas, os participantes se comprometem, por um certo período de tempo, a não contratar com diversos outros players do mercado, como, por exemplo, emissoras e marcas concorrentes.

Considerando o caráter complexo do direito de uso e exploração da imagem, temos aqui um paradoxo que divide a opinião das autoras.

Se considerada como um ativo construído através do programa, na opinião de uma das coautoras, nada mais justo que seja estabelecida tal exclusividade no uso e exploração da imagem dessa nova “celebridade”, considerando o fato de ter sido através da produção audiovisual de propriedade da empresa que a imagem daquela pessoa adquiriu valor no mercado, sem considerar investimentos consideráveis por parte da produção da emissora quanto ao programa e, consequentemente, na valorização da imagem de seus participantes.

Por outro lado, e segundo a opinião divergente da outra coautora, se avaliarmos sob a ótica de um direito intrínseco à própria personalidade humana, a determinação imposta ao titular de uma série de amarras de utilização da sua própria imagem levanta uma série de válidos questionamentos.

De toda forma, a decisão final é do próprio participante que opta por acatar ou não os termos contratuais que lhe são impostos. E aqui utilizamos intuitivamente o termo “acatar” diante da suposição de que há poucas possibilidades de negociação pré-contratual neste contexto. E, uma vez que aceite embarcar nessa jornada incerta, é recomendável o participante estabelecer uma estratégia de gestão de imagem a fim de cumprir a exclusividade e explorar eventuais contratos que surgirem após sua participação, dentro dos limites do negócio firmado.

É uma decisão complexa seguida de uma construção trabalhosa, a qual, sem dúvida, requer um investimento (uma consultoria especializada) e assunção de um risco, se consideradas as muitas circunstâncias que impactam a construção de uma imagem sólida ao longo do tempo diante do público, capaz de atravessar incólume a estrada da exclusividade global. E você, toparia ser um brother ou uma sister?

Carol Bassin, advogada especializada em propriedade intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral.
Letícia Soster Arrosi, doutora em Direito Comercial e mestre em Direito Privado.

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