Esquizofrenia? Executiva Nacional do PT erra ao defender o regime madurista.

Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS DE ARAÚJO

Não há dúvida de que o PT é um partido comprometido com a democracia. Por isso, soa esquizofrênica a nota recém-publicada por sua Executiva Nacional, que reconheceu a vitória eleitoral de Nicolas Maduro, quando a própria presidência da república e o Itamaraty adotam posições mais cautelosas. Acriticamente, o PT virou as costas para os indícios de que o terceiro mandado de Maduro está sendo conquistado de modo fraudulento, com flagrantes indícios de ilegalidade. Não é necessário defender Maduro para defender a democracia na Venezuela.

Por convergências político-ideológicas, o PT dá de ombros para a grave situação da Venezuela, cuja economia encolheu cerca de 2/3 na última década e cujos emigrantes perfazem cerca de 8 milhões de pessoas ou 15% da população. Há muita fome no país. Também finge não ver a violência política imposta por grupos paramilitares e a dependência madurista em relação às Forças Armadas, cujos líderes, em boa parte, se locupletam com os recursos petrolíferos e minerais do país.

O processo eleitoral na Venezuela está sob forte suspeição. A principal líder da oposição, Maria Corina Machado, foi inabilitada por acusações de corrupção e fraude. Sua sucessora também não conseguiu o registro eleitoral. Mutilada, a oposição se reuniu em torno de Edmundo Gonzáles, um político de centro-direita que promete privatizar a indústria de petróleo e gás, atendendo às demandas dos Estados Unidos. Contudo, mesmo reconhecendo a força do imperialismo norte-americano, é difícil sustentar a legitimidade de uma eleição que obstou candidatos e perseguiu opositores, cerceando a imprensa e utilizando a máquina pública em favor de Maduro. Que democracia é essa?

É imperativo que o Brasil mantenha boas relações com a Venezuela, qualquer que seja o seu governante. Não é o que o país está fazendo em relação à Argentina? Da mesma forma, o Brasil não deve se ajoelhar aos Estados Unidos, aceitando o mandatário preferido de Washington, seja, Gonzáles ou Guaidó, personagem de triste lembrança.

O PT conhece o peso da violência política, seja de uma ditadura institucionalizada ou de um governo fascistóide, conduzido por uma liderança populista. Por isso, o partido não pode relativizar democracia. Hoje no poder, o PT deveria ser o primeiro a lutar por medidas capazes de construir alternativas que respeitem a vontade popular e a legitimidade do processo político-eleitoral. Afinal, após enfrentar uma tentativa de golpe de Estado em janeiro de 2023, o partido sabe que a democracia pressupõe um arranjo institucional de poder baseado na pluralidade de ideias e opiniões.

As recentes prisões e mortes de populares contrários à reeleição de Maduro trazem à tona os fantasmas de 2017, quando a repressão política deixou quase 100 mortos e centenas de feridos. A ameaça de Maduro de que o país veria um “banho de sangue” caso a oposição viesse a vencer, indica que a institucionalidade democrática está sob ataque. Urge que a democracia venezuelana seja capaz de excluir atores e práticas contrários à própria democracia, combinando a via institucional com a necessária mobilização popular. Como bem disse o presidente Lula, “a única chance de a Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo o mundo”. Na Venezuela, como aqui, a democracia deve ser defendida e o PT deve ser parte dessa luta.

 

Lier Pires Ferreira, cientista político

Renata Medeiros de Araújo, advogada