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A Ilusão e a Servidão (7) ou Os Vagidos do Neoliberalismo

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 20/10/2024 às 08:22

Alterado em 20/10/2024 às 08:22

Com a chegada de Geisel à Presidência da República, o Itamaraty, sob a chefia de Silveirinha, retoma princípios de defesa do interesse nacional que haviam marcado a Política Externa Independente, inaugurada e sobretudo formulada por Francisco Clementino de San Tiago Dantas.

Coincide o início dos anos 70 do século XX com o final dos "anos dourados do pós-guerra”, quando os Estados Unidos da América começam a ressentir os efeitos do renascimento econômico europeu.

Nixon acaba com a convertibilidade entre o dólar e o ouro - e com a confiabilidade na moeda americana - o que leva a uma mudança do eixo central do comércio internacional com perda da hegemonia dos Estados Unidos diante da Europa e do Japão, reindustrializados e fortes concorrentes de um hegemônico a sentir a redução de seus lucros até então crescentes.

É nesta faixa dos anos 70-80 do século passado que os Estados Unidos se decidem a reformar o sistema internacional de comércio, ao mesmo tempo que se aprofunda a temática da segurança internacional na polarização da “Guerra Fria“.

A segurança internacional - expressa cotidianamente na política de contenção do “Perigo Vermelho” - se miscigena bastardamente com os princípios do "destino manifesto“ , ambos insensíveis ao desenvolvimento econômico buscado pelos países em desenvolvimento.

A ideologia do neoliberalismo se servirá habilmente tanto do “Perigo Vermelho” quanto do destino manifesto para dificultar a defesa da soberania econômica pelos países em desenvolvimento.
Geisel e Silveira, ao denominarem a política externa brasileira de “pragmatismo responsável” procuram circunscrever os dois torniquetes do destino manifesto e do perigo vermelho.

Até porque os Estados Unidos claramente utilizam o destino manifesto como uma cruzada anticomunista, o que tende a impedir a liberdade de relações comerciais com países socialistas.

Esta, aliás, foi outra decisão corajosa tomada por Geisel, ao reatar relações diplomáticas com a China, o que Costa e Silva, que o antecedeu na Presidência da República (incluindo o complemento do mandato pelo general Médici), não se permitiu fazer.

Este pano de fundo, excessivamente sintético, nos permite melhor entender como o panorama das negociações comerciais multilaterais estava contaminado por forças antagônicas ao interesse dos países em desenvolvimento e como a defesa dos interesses nacionais do Brasil se via constrangida igualmente por fórmulas vicárias de puro expansionismo econômico, travestidas de nobres defesas contra o expansionismo político soviético.

Finalmente, a essas contingências políticas acrescentavam-se outras, trazidas por grupos de pressão econômicos, ou "lobbies“ específicos em defesa de interesses não só comerciais, mas também de manutenção de disparidades como monopólios ou oligopólios.

O Consenso de Washington se notabilizou por defender a desregulamentação de controles criados pelo Estado em defesa do consumidor, o que levou a um aumento da especulação pura e simples. E, lembremos, à crise financeira de 2008. A crise da soberba bancária. E do golpe hipotecário na classe média americana.

Para completar, os Estados Unidos da América, achou de boa política de vizinhança retirar fundos dos orçamentos de organizações multilaterais, como a UNCTAD, francamente dedicada a prestar assistência técnica aos países em desenvolvimento. Da Unesco, Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura, os Estados Unidos se retiraram por vários anos, numa demonstração de unipolaridade cultural.

Descrevo este quadro político, porque pretendo entrar agora num exemplo prático dos efeitos negativos para o Brasil de negociações multilaterais econômicas, quando a combinação desses fatores acima descritos se impõe negativamente numa negociação de altíssima importância para a vida e a saúde das populações dos países em desenvolvimento.

Refiro-me em especial às negociações sobre as patentes farmacêuticas levadas a cabo na OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) e na OMC (Organização Mundial do Comércio).
Talvez você compreenda porque considero esta negociação um exemplo perfeito sobre a utilização de conceitos aparentemente consistentes com o Direito Internacional, mas, na realidade, apenas um amálgama subsofisticado de nosso velho “conto do vigário”.

Nem o primeiro nem o último. Mas, um dos mais bem articulados. Um show de “Beggar-thy-neigbhour”. Ou em português castiço: “dane-se o teco-teco"!

 

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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