ARTIGOS
Francisco e a cultura do ódio
Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS DE ARAÚJO
Publicado em 15/11/2024 às 13:47
Alterado em 15/11/2024 às 13:47
A esmagadora vitória de Donald Trump nos Estados Unidos já produz efeitos. Internamente, o domínio simultâneo da presidência, do Congresso e da Suprema Corte, além, claro, do Partido Republicano, confere ao magnata nova-iorquino um poder raramente visto entre seus pares. Empoderado, Trump exala rancores e prepara seu pacote de maldades, que, já em 2025, deverá atingir diferentes minorias sociais, imigrantes à diante, funcionários públicos, além, claro, do comércio bilateral com a China, contra a qual severas barreiras comerciais deverão ser erguidas.
Mas esses efeitos também se projetam sobre o mundo, não sendo diferente no Brasil. Os atentados à bomba ocorridos ontem, 13/11, entre a Câmara dos Deputados e o STF, têm o triunfante discurso de ódio de Trump como fonte externa. Internamente, replicam Bolsonaro, o fantoche trompista, e seus seguidores. O catarinense Francisco Wanderley Luiz, 59, ao mesmo tempo algoz e vítima singular destes atentados, foi radicalizado nas redes sociais da extrema-direita tupiniquim, já tendo cumprido uma condenação por lesão corporal em 2014.
Espelhando processos internacionais, particularmente na América, o ambiente político brasileiro vem se deteriorando rapidamente desde 2018, ano da eleição de Bolsonaro à presidência. Desde então, multiplicam-se sites, blogs, influenciadores e outros arautos do caos, que, com uma mídia nas mãos e uma má ideia na cabeça, garimpam likes como pepitas, de olho na fama e na riqueza prometida aos eleitos da internet. A espiral do ódio foi parcialmente tolhida pela eleição de Lula, em 2022, mas jamais perdeu sua força e atratividade. Ao contrário!
Os atentados de ontem na Praça dos Três Poderes foram a continuação do faroeste candango de janeiro de 2023, que, por sua vez, emula o ataque ao Capitólio incentivado por Trump após sua derrota eleitoral para Joe Biden, em 2021. A frustração é um dos combustíveis da cultura do ódio e Tiü França, como Francisco também era conhecido, não conseguiu eleger-se vereador em Rio do Sul, sua cidade natal, mesmo sendo filiado ao Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, e tendo feito do extremismo seu estandarte.
Autor de ameaças frequentes contra políticos, jornalistas e outros, tidos como “esquerdistas”, o aparentemente simpático Tiü França personifica o “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, cuja polidez e cortesia não ultrapassam a epiderme. Encorajado pela eleição de Trump e, por que não dizer, pela retumbante vitória do conservadorismo nas eleições municipais deste ano, Francisco deixou transbordar todo rancor, frustração e violência contra os poderes de República, tendo, segundo as primeiras apurações da Polícia Federal, o propósito de matar o ministro Alexandre de Moraes.
Tiü França foi vitimado pelo ódio que destilou. Amador, o suposto “lobo solitário” do Vale do Itajaí acabou explodindo com os artefatos que carregava junto ao corpo, bem em frente à estátua da Justiça. Castigo dos deuses? Não cremos. Na verdade, Francisco é um dos muitos brasileiros utilizados como massa de manobra de oligarquias que, mais ou menos ocultas, trabalham contra a jovem democracia brasileira. Assentados sobre os pilares autoritários de nossa história política, essas velhas oligarquias manipulam tolos utilizados como peões em um complexo xadrez político, que, em última instância, tem a democracia e suas instituições como inimigos.
O ódio retroalimentado diuturnamente nas redes sociais da extrema-direita faz do STF um inimigo a ser exterminado. Dentro da lógica “amigo versus inimigo” que marcou o pensamento político de Carl Schmitt, notabilizado como o jurista de Hitler, a extrema-direita brasileira odeia a Suprema Corte e Moraes, já que os identificam como responsáveis por deter a sanha punitiva do lavajatismo e recolocar Lula no Planalto. A conquista do histórico terceiro mandato pelo ex-líder sindical, embora apertadíssima, foi uma verdadeira “cadeirada” naqueles que, mesmo de boa-fé, buscaram “passar a boiada” do extremismo político e reconduzir à fórceps o capitão à presidência.
É hora de estancar o ódio. Mas, para tal, há que se restabelecer o império da lei. Afinal, reconciliação não é sinônimo de impunidade. A intentona explosiva de Tiü França reforça a necessária punição daqueles que protagonizaram o 08 de janeiro de 2023, ceifando, na raiz, os projetos de anistia cuidadosamente urdidos nos corredores nem sempre iluminados do Congresso Nacional. A espiral do ódio, muitas vezes importada, tem sido cuidadosamente fermentada nas cavernas do golpismo à brasileira. Para que a democracia sobreviva e possa cumprir suas promessas de bem-estar e justiça, é necessária uma nova cultura política, que tenha na dignidade humana sua pedra fundamental.
Lier Pires Ferreira, PhD em Direito. Pesquisador do LEPDESP/UERJ
Renata Medeiros de Araújo, Mestre em Ciência Política. Advogada