Força desmedida?
Logo após tomar posse, Tarcísio de Freitas foi protagonista de uma situação, no mínimo, curiosa: Ao encerrar o arremate de trecho do rodoanel, na sede da B3, o mandatário do estado de São Paulo pegou nas mãos o martelo de madeira e, em vez das três batidas protocolares, quase quebrou o instrumento e a mesa de anteparo, tamanha a força das pancadas.
A cena foi comparada à famosa passagem do filme 2001, Uma Odisseia no Espaço. Nela, o macaco, ao descobrir que um pedaço de fêmur poderia ser feito de ferramenta para quebrar ossos e caçar, bate o objeto em outros menores, triturando o que vê pela frente. Ao final, extasiado, o pré-humano lança ao céu o fêmur, que flutua como uma nave espacial. Tarcísio, de maneira diferente do símio, largou o martelo no chão com desprezo.
Não se sabe o que levou o político que, dias antes de ser eleito, desconhecia até o local de sua zona de votação, a aplicar excessiva força e em um momento protocolar. Mostrar poder, reforçar autoridade? Disfarçar o despreparo para assumir a empreitada, tomando-a como coisa menor? Ou pura falta de educação? Agora, quase dois anos depois, a mensagem é conhecida: o uso da truculência será recorrente.
Tarcísio não encontra resistência para emplacar suas principais iniciativas. Após ter conduzido a privatização da então lucrativa Sabesp, inicia a venda de escolas públicas. Em caso de manifestações contrárias, aciona a PM, como fez há alguns dias. Enquanto erguia novamente o martelo na sede da B3 para formalizar a parceria público-privada que concede a consórcios a construção e manutenção de 16 escolas leiloadas, professores e estudantes contrários à medida eram reprimidos à base de gás lacrimogêneo e cassetetes. Na mesma semana, a PM comandada por Tarcísio foi responsável pela morte de um menino de 4 anos durante ação no Morro de São Bento, em Santos. O pai da criança havia sido morto meses antes pela mesma PM.
O governador não se mostra preocupado com o uso de força excessiva. Ademais, parece encantado com as privatizações: quer elevar a meta de R$ 400 para R$ 500 bilhões até o final do mandato, segundo aponta matéria do uol. Talvez esteja inebriado por uma sensação de onipotência, legitimada pelo poder que lhe foi conferido e incrementada por, no exercício de cabo eleitoral de Ricardo Nunes, ter feito deste o prefeito da capital do estado.
Nunes, aliás, dá sinais de se inspirar no mestre. Em reação a moradores que impediam corte de árvores resultante de uma obra controversa no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, a Guarda Civil Metropolitana, sob seu comando, espalhou gás de pimenta para afastar os manifestantes. Jogar pimenta nos olhos de eleitores está se tornando algo corriqueiro.
O ocupante maior do Poder Executivo paulista assinala que administrará com mão de ferro, apesar dos discursos com falas controladas. Após quase dois anos de mandato, distancia-se do antigo chefe de quem foi ministro e asfalta o caminho que pode o reconduzir a Brasília.
O mandatário e sua turma não estão para brincadeira. Mas enquanto ordenam à polícia reprimir manifestações com tiros e bombas, arranjam tempo para relaxar. É o caso de Ricardo Nunes. O renovado prefeito paulistano, após a eleição, se submeteu a um procedimento de harmonização facial.
É possível que o onipotente governador, em surto narcísico, faça o mesmo e apareça de cara mais limpa. Harmonização facial é fácil. Nada que um martelinho de ouro não resolva. Duro é dar outro rosto à vaidade. Se for o caso, Tarcísio e Nunes podem pedir ajuda ao seu mentor e presidente do PSD, maior vitorioso das eleições municipais de 2024. Seria Gilberto Kassab a pessoa certa para auxiliar os dois pupilos nesse procedimento?
Ricardo A. Fernandes. Escritor, publicitário e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE). Autor do romance “Através”.