ARTIGOS

O Renascimento da cidadania

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 08/12/2024 às 08:57

Talvez por cansaço. Talvez por revolta. Certamente por repúdio a um estilo de vida e, sobretud,o a uma convivência social em tudo contrários aos sentimentos de solidariedade de nossa sociedade, finalmente a cidadania brasileira dá sinais inequívocos de renascimento.

Os inegáveis passos positivos na redução da pobreza social, a consequente melhoria dos índices de emprego formal, a cotidiana e contundente campanha da imprensa brasileira contra o desatino de ações policiais a se afastarem da proteção social para se transformarem em atos tão ou mais bárbaros dos que nos chegam por abas marginais de nossas cidades, tudo, assinala um nítido e inquestionável “basta" a uma pandemia de violência física e espiritual.

Mas, se são óbvias as reações de renascimento diante de movimentos mais ostensivos de atraso social, menos contundentes e ainda impregnadas de forças contraditórias são as reações políticas à crescente sinalização de pacificação e renascimento enviadas pela sociedade a seus representante na gestão do país nas três áreas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Como se as atribuições não estivessem claras na Constituição.

Ou se o “mercado" fosse outra instância superior aos poderes constitucionais.

Como se o Brasil fosse uma espécie de “country clube”. Ou um paraíso fiscal.

Ainda marcados a ferro e fogo pelos chocantes acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 e pela compreensão da profundidade de um ataque impensável aos mecanismos tradicionais da expressão popular, somos todos, cidadãos e cidadãs, colocados diante não de uma esfinge, mas diante de um espelho a refletir uma imagem que nos devora.

Nesta quadra histórica de nossa vida, impõe-se reconhecer que navegamos águas tumultuadas juntamente com o planeta, porque são igualmente visíveis os questionamentos que nos assombram no morticínio de Gaza, na guerra da Ucrânia, na miséria trazida pela fome e pela doença em países em estado falimentar.

Sem falar nas mudanças climáticas, bem mais sérias do que as patacoada de Hollywood.

O Brasil, fato que infelizmente não é reconhecido por todos seus filhos, tem desempenhado ultimamente papel cada vez mais construtivo na edificação de relações internacionais mais propícia à paz e à liberdade.

A reunião do G-20 no Rio de Janeiro nos permitiu ver, após muito tempo de impasses, uma Declaração Política alentadora em que todos seguramente abriram mão do particular em nome do coletivo.

Poucas semanas depois, assistimos a um mais do que bem sucedido encontro do Mercosul com a União Europeia, onde também se abandonaram, ou pelo menos se congelaram, impasses históricos a atravessarem gerações de negociadores.

Será miopia não reconhecer nesses últimos passos diplomáticos a consciência de que estamos atravessando uma das fases mais dramáticas desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Talvez, em termos de tensão internacional, só comparável à crise dos mísseis dos anos 60.

Hoje, diante do elefante que se avizinha da loja de porcelana, há visível determinação de evitar que o paquidérmico nela abane a tromba.

Há que toureá-lo com luvas de pelica, conscientes de que jamais poderemos feri-lo com uma estocada final. No máximo, com choques elétricos.

O Brasil melhor jogará em favor dos interesses de todos, se aqui em nossas próprias fronteiras soubermos caucionar as feridas que ainda temos abertas.

Nada se fará porém com o “jeitinho“ histórico. Nada se fará sem respeito à lei e à Constituição, cujo intérprete legítimo é o Supremo Tribunal Federal.

Exigirá da sociedade brasileira uma íntima reflexão sobre nossas evidentes fraquezas históricas, muito delas arraigadas mais em mitos do que realidades.

Como a do “homem cordial” que não resiste a uma análise ainda que superficial de nossas relações com os que aqui chegaram como escravos e os que aqui viveram como senhores da terra.

Não há passe de mágica. Será um trabalho onde pouco se poderá esperar do idealismo ou do sobrenatural.

Estamos diante de nós mesmos e a imagem que nos devolve o espelho em nada mudará se resolvermos apenas quebrá-lo.

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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