ARTIGOS

A advertência de Camões

Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 15/12/2024 às 08:54

Alterado em 15/12/2024 às 08:54

“O fraco rei faz fraca a forte gente”. Talvez este verso do Canto Terceiro dos Lusíadas devesse merecer tanta atenção quanto a capa do Time Magazine, onde Donald Trump ilustra o dístico de “Homem do Ano”.

Pois se há ano, se há tempos a colocar em todos nós um grande medo, poucos, no passado, podem rivalizar com este ano de 2024, que degusta suas últimas gotas de sangue com a volúpia de um vampiro.

E se há príncipe das trevas, nunca tantos se mostraram à luz do dia, onde morticínios se perpetraram com a descabida ignorância transformada em bússola desgovernada.

Em nome de deuses e crenças, nunca se permitiu matar civis indefesos com a abominável indiferença que vimos ocorrer em Gaza. Nunca se viu resistência tão tenaz a pedidos de armistício seja na ONU, seja em templos sagrados.

Resistências amparadas em verdades sacrílegas, esquecidas de que não há verdade mais profunda religiosa ou humana do que a da solidariedade e o Direito a presidirem o gesto e o ato.

São temíveis os fatos que se avizinham. Um fraco rei se supõe forte e nos convida a reinventar o retrocesso político e econômico como fórmula mágica de renascimento de um passado idealizado, como o de um Henrique VIII a ceifar vidas em nome de um Deus do qual ele se considerava porta-voz.

Hoje, o bezerro de ouro reassume o altar da motivação dos piores desatinos. A associação que se está a ver entre Musk e Trump nada mais é que a metáfora rediviva dos piores desatinos.

Já nem se fala mais em controle das “big-techs”, mas o que se observa é a conspiração do poder financeiro para reduzir, senão eliminar, o sadio direito da divergência e da dúvida.

Finalmente, as grandes corporações se transformam no megapólio da lavagem cerebral. E nos transformaremos em abúlicos macacos de auditório da cultura pasteurizada.

Quando se vê que o próximo ministro da Saúde de Trump pretende eliminar a vacina contra a poliomielite nos Estados Unidos da América e que este cidadão atende pelo nome Kennedy, que, na minha juventude, era sinônimo de uma “nova fronteira“, torna-se sempre mais paranóico não ser paronóico.

Além das epidemias que estão a se aproximar de nós, a indiferença olímpica das grandes empresas farmacêuticas em compreender o papel social de seus serviços, as empresas de seguro médico se especializam na arte de tornar seus associados uma aristocracia privilegiada.

O recente e chocante assassinato de um diretor-presidente de uma das maiores seguradoras de saúde dos Estados Unidos e sobretudo a espantosa reação de apoio público ao assassino talvez nada mais sejam do que um sinal de advertência para o tipo de mundo que estamos a criar para nossos netos.

A advertência de Camões é moderníssima. ”O fraco rei faz fraca a forte gente”. Trump e tantos outros que estamos a tolerar não são mais do que vendedores de ilusões.

Nenhum desses governantes é forte. Nenhum parlamentar que se insurge contra a exposição pública de suas emendas pode se considerar ameaçado. A transparência das emendas parlamentares deveria honrar o parlamentar e não ameaçá-lo.

E é através de circunlóquios e quase sempre através de vigarices pura e simples que os fracos reis tornam fracos o povo que os elege.

Pois é através da mentira que se forja uma nação de néscios ou de depravados em que a solução totalitária passa a ser a aspiração de cada dia.

Rei forte, governante forte é o que conduz seu povo na trilha da Constituição, cujo mandato maior é o da solidariedade e de combate à desigualdade social. E reconheçamos; também os temos aqui. Não somos um deserto.

Mas, para desafinar, ainda temos governantes que pretendem desafiar a fúria de um planeta que mostra sinais de agonia diante de séculos de espoliação de seu solo e de sua atmosfera.

Não temos só governantes fracos. Temos governantes insanos. E isto já nos foi alertado duas vezes pela Associação Psiquiátrica dos Estados Unidos.

Marque na sua folhinha: 20 de janeiro de 2025.



Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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