ARTIGOS
Democracia e política no Brasil na 'era' Trump
Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS DE ARAÚJO
Publicado em 19/01/2025 às 08:51
Alterado em 19/01/2025 às 08:56
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Em 20 de janeiro, o mundo entrará em uma nova era geopolítica, a “Era Trump". Em seu primeiro mandato (2017-2021), Trump marcou os Estados Unidos. Na economia, sua política de corte de impostos e elevação dos gastos públicos inflou as estatísticas e permitiu um aumento real dos salários, que cresceram 2,9% entre 2017 e 2018. Na política externa, sua principais marcas foram o combate à imigração, o descaso com a questão ambiental e uma diplomacia midiática, turbinada pelas redes sociais, que, desdenhosa e agressiva, confrontou parceiros europeus, fustigou a China e bateu duro nos regimes do Irã e da Coréia do Norte, sem deixar de espinafrar a ONU, tida como “um clube de pessoas que se reúnem para se divertir”.
Mas foi na política interna que Trump foi mais Trump. Em um país polarizado, confrontou negros, latinos, imigrantes e populações LGBTQIA+, abusou do negacionismo científico e confrontou a democracia ao se recusar a aceitar a derrota eleitoral para o democrata Joe Biden, que, agora, sai pelas portas dos fundos, após ter sido forçado a abdicar da candidatura à reeleição e ver sua escolhida, Kamala Harris, ser triturada nas urnas. Todavia, a “cereja do bolo” de seu primeiro mandato foi o 06 de janeiro (2021), quando, sob sue furioso incentivo, centenas de seus apoiadores invadiram o Capitólio, sede do Legislativo Americano, resultando em depredações, cinco mortes e vários feridos, numa intentona triste de golpe de Estado.
Sob esse legado, o segundo mandato promete. Com maioria no Congresso e na Suprema Corte, Trump parece ter “a faca e o queijo nas mãos”. Assim, mesmo antes de assumir, já tem assombrado o mundo com declarações polêmicas, que prometem reconfigurar a ordem global. Entremeando tons de ameaça e galhofa, Trump projeta um cenário distópico, no qual guerras comerciais com a China, a União Europeia e o próprio NAFTA, o acordo de livre-comércio da América do Norte, se entrelaçam com práticas neo-imperialistas que ameaçam a integridade territorial do Canadá, apontam para o controle da Groenlândia, sedimentam o morticínio de Netanyahu em Gaza e prometem abandonar a Ucrânia e seus aliados europeus à própria sorte no conflito com a Rússia, hoje próximo de completar três anos. Igualmente, sob sua batuta, a maior democracia do mundo está a um passo de anistiar os golpistas do Capitólio.
Embora pouco preocupado com a América Latina, vista como quintal yankee, o segundo governo Trump também deverá causar estragos na região, seja em relação a desafetos de longa data, como Maduro, na Venezuela, seja no Brasil. Protecionista, Trump sinaliza que produtos brasileiros como soja, carne bovina, minério de ferro e aço semi-elaborado serão duramente taxados como parte de uma política antiliberal, protecionista, que irá privilegiar os produtores locais. É o America First! Além disso, promete fechar o cerco contra imigrantes brasileiros, que, a pretexto de turismo, muitas vezes ingressam no território norte-americano e lá permanecem como imigrantes ilegais.
Contudo, a principal ameaça trumpista ao Brasil é a questão democrática. Trump tem o condão de empoderar aqueles que tramam contra nossa democracia, sejam lobo-solitários ou militares de alta patente. O nosso 08 de janeiro (2023), versão candanga da intentona norte-americana, mostrou que a democracia brasileira tem vulnerabilidades evidentes. Mas também deixou claro que ela não cairá sem luta. Afinal, os arranjos institucionais inscritos na Constituição Federal, a Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães e Bernardo Cabral, somados aos esforços do Planalto e do STF, apoiados por jornalistas, juristas e diferentes movimentos sociais, tem permitido com que os ataques à democracia sejam reconvertidos. Até aqui, o melhor exemplo dessa defesa militante é a condenação dos golpistas. Dois anos após o 08 de janeiro, o STF já condenou mais de 370 pessoas, das 2 mil que foram investigadas. Outras 527 pessoas admitiram crimes de natureza menos gravosa e fizeram acordos com o Ministério Público Federal.
“Ainda estamos aqui” e, dessa vez, não haverá impunidade, nem anistia. Neste contexto, seja pelos atos de 08 de janeiro, seja por outras iniciativas golpistas, como a “Operação Punhal Verde e Amarelo”, expoentes do iliberalismo reacionário estão sendo acossados pela justiça, do que é exemplo o general Braga Netto, hoje preso preventivamente. Além disso, números recém publicados pelo Instituto Quaest, mostram que 86% dos brasileiros desaprovam a intentona golpista tupiniquim e que 50% dos entrevistados acreditam que o ato em Brasília foi influenciado por Bolsonaro, assim como o ataque ao Capitólio foi instigado por Trump.
Em verdade, os eventos do 06 (EUA) e do 08 (Brasil) de janeiro são siameses. Derrotados, Trump e Bolsonaro quiseram tomar o poder. Agora, com o retorno de Trump à Casa Branca, um “apito de cachorro” desperta a sanha golpista daqueles que gostariam de viver um novo ciclo autoritário no Brasil. Não por outro motivo, um cabisbaixo Bolsonaro tentou reaver seu passaporte para “prestigiar” a nova posse de Trump, para a qual teria sido convidado, embora o convite oficial nunca tenha aparecido. Na verdade, tudo indica que Bolsonaro, cuja coragem é pouco apreciada, armou uma ridícula “estratégia de fuga”, pela qual tentaria obter asilo nos Estados Unidos, evitando uma iminente prisão.
Fato ou fake, o certo é que ainda veremos muitos desdobramentos do segundo governo Trump por aqui. Todavia, em que pese os recalcitrantes, até aqui a democracia resiste. Bolsonaro até tentou que as Forças Armadas apoiassem sua aventura golpista. Mauro Cid e outros asseclas bem expressam a “turma do golpe”, sempre presente na caserna. Estas, todavia, não ficaram submissas aos intentos do ex-capitão. A democracia se mostrou mais forte do que muitos de nós, brasileiros, pensamos. Bem sabemos que “o mundo é um moinho”, mas, por hora, cabe dizer: perdeu, playboy!
Lier Pires Ferreira, PhD em Direito. Pesquisador do NuBRICS/UFF
Renata Medeiros de Araújo, Mestre em Ciência Política. Advogada