ARTIGOS
Trumpolinagem e outros desvios de conduta
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 21/01/2025 às 08:46
Alterado em 21/01/2025 às 08:52
Escrevo poucas horas depois do discurso de posse de Trump no maior país do mundo. O mais armado. O melhor dotado de recursos humanos à disposição do progresso da ciência e da tecnologia.
Talvez o mais unanimemente admirado por suas universidades e pelos os progressos que imprimiu à pesquisa científica.
O mais avançado na manufatura de máquinas e robots capazes de substituir a mão humana nas mais delicadas intervenções cirúrgicas em nossos intrincados sistemas nervosos, no cérebro humano, em nossas colunas cervicais, e igualmente capazes de enviar raios a destruir células cancerígenas nos seios de nossas mulheres.
Uma civilização do bem. Particularmente após a mortandade da Segunda Guerra mundial, quando liderou vencedores e vencidos na tarefa de criar um sistema internacional regido pelo que se passou a chamar Nações Unidas, nações amantes da paz.
O Brasil nunca se absteve de juntar-se a este trabalho construtivo. Na Segunda Guerra Mundial, contribuímos para libertar a Itália, país que até hoje, nas cercanias de Pistoia, rende homenagem a nossos pracinhas da FEB que ali perderam a vida.
E a cada ano é comovente a homenagem de Pistoia e de cidades vizinhas aos representantes do governo brasileiro, o Embaixador do Brasil na Itália e o Comandante das Forças Armadas brasileiras, quando ambos hasteiam as bandeiras da Itália e do Brasil no campo santo dos pracinhas brasileiros mortos em solo italiano na Segunda Guerra.
E nunca reclamamos quando em Dumbarton Oaks o Brasil se viu não escolhido como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, assim como nunca fomos parcialmente contemplados no Plano Marshall, nós, único país da América do Sul a mandar forças militares para o teatro de guerra.
Portanto, quando se fala da amizade Brasil-Estados Unidos sabemos que nossa relações se pautam muito mais por nossos elos de afinidade com o sistema democrático do que por interesses materiais que não se coadunem com o Direito Internacional, com a Carta das Nações Unidas e com os propósitos de paz, justiça e combate à desigualdade nela inscritos.
Hoje, chocou-me ver o Presidente eleito denunciar o desrespeito de nações amigas aos princípios de soberania e igualdade jurídica dos Estados na bela cenografia da posse de Trump.
Bem verdade que a transferência das cerimônias de posse para o interior da Rotunda do Capitólio não deixou de nos lembrar as ações de vandalismo ocorridas no mesmo local, em grande parte apoiadas, senão orquestradas, pelo mesmo cidadão que hoje volta ao poder.
Impossível não ver as festividades de hoje senão turvadas por nossos olhos incapazes de focar com nitidez a alegria de uma solenidade irreparavelmente confiscada pelo desrespeito sacrílego do passado.
Há em tudo um certo olor de flores murchas, uma reminiscência arranhada de dor de um passado que insiste em se fazer presente.
Sensação que se aprofunda com a insistência do orador em se autoabsolver de toda e qualquer cumplicidade com gestos, palavras e atos que passaram incólumes pela justiça americana, à exceção de uma corte de Nova York que se recusou a negar que “a spade is always a spade”.
E o homem que tem hoje o poder de “apertar o botão nuclear” não tem hoje o direito legal de possuir uma arma de fogo em seu poder para atirar nas ratazanas de seu sótão.
Por tudo isso não esqueço a advertência de Biden de que se está a instalar no poder da mais poderosa nação da terra uma conturbação entre o pior do capital e o mais abjeto da política.
Não há duvida de que Trump não é o único responsável pelas distorções do capitalismo que estamos a ver. Temos que reconhecer com humildade e honestidade que o renascimento das políticas das canhoneiras- a se camuflar por trás do slogan MAGA- só se justifica porque hoje se refaz a política do "empobrecimento do seu vizinho” como fórmula canhestra do comércio livre.
A hora não é de desespero. E muitíssimo menos de enfraquecimento moral. Nós continuamos o mesmo Brasil de Dumbarton Oaks. O mesmo Brasil que se aliou contra o fascismo e nazismo na Itália.
Nós não temos nada a temer. Permanecemos a mesma nação confiante nos princípios democráticos e, até por termos vivido experiências dramáticas ainda muito próximas, sabemos do valor da liberdade e da dignidade humanas.
O Rei-Sol feneceu faz tempo na França.