ARTIGOS

Ferro velho

Por LUÍS PIMENTEL

Publicado em 24/01/2025 às 10:44

No metrô, encosto o cartão de gratuidade na catraca e o moço de meia idade comenta com a passageira ao lado:

– Isso é que é bom! Tô doido pra chegar logo aos 65 anos e poder andar de graça nos transportes.
Vai vendo só como caminha (ou se arrasta) a humanidade.

Num país onde o caraminguá da aposentadoria (com as desonrosas exceções de praxe) não permitem acesso aos aposentos (muito menos à cozinha ou à sala) nem aos remédios, descanso ou atendimento, o comentário tragicômico merece estudo.

Quando o cartão de gratuidade chega já chegaram rugas ou cabelos brancos, “sinais” de inutilidade. O passaporte para a vida plena continua com carimbo de inacessível, envelhecer é tarefa para os fortes ou muito corajosos. O moço no metrô vê vantagem em andar de graça nos transportes porque a aproximação da velhice assusta tanto quanto a morte, e é sempre importante levar alguma vantagem na vida. Só que ele não sabe da missa a metade.

No Rio de Janeiro tem uma linha de ônibus urbanos que liga o bairro do Cosme Velho à Estação Central do Brasil, também conhecida como Estrada de Ferro. Na placa pequena que indica o destino, foram obrigados a reduzir as palavras. Então, ficou descrito assim o itinerário: C. Velho – E. Ferro.
No ponto, em Laranjeiras, enquanto lia aquela piada pronta, resmunguei:

– É isso mesmo, minha gente. Ser velho é ferro!

Observem que, não por acaso, a expressão impõe um jogo de palavras cruel com “ferro velho” (nada é por acaso).

Dois ou três ali acharam graça, o que comprovou minha tese de que o humor e a esperança são os últimos que morrem – embora saiba que, infelizmente, os bem humorados e os esperançosos sempre morrem antes.

Envelhecer é gastar o restinho de força que o corpo armazenou esgrimindo, dia após dia, contra preconceitos, hipocrisia, descaso e covardia. Mas como dizíamos noutros tempos, a luta continua e vamos aprendendo, também, que se reclamar piora. E ainda corre-se o risco de o desabafo ser encarado como resmungos ou chororô de velho.

É ferro.

Sorriram e também sorri, pois humor é vida. Ou esperança. Ou ilusão. E porque de esperanças e de ilusões também se vive.

E a vida seguiu o seu curso: bonito, feio, misterioso, atribulado e esperançoso, pois o destino é seguir. Para os que estudam “O papel da pessoa idosa no século XXI” (tema da moda), afirmo que, se sobrevivemos ao XX e chegamos a este, o nosso papel é, cada vez mais (tentar) chegar século XXII.

Mas é ferro!

Luís Pimentel é jornalista.

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