ARTIGOS
Reverenda
Por MARIA CLARA BINGEMER
Publicado em 25/01/2025 às 11:54
Alterado em 25/01/2025 às 11:54
Por que se diz reverendo ou reverenda a alguém? Porque se supõe ser alguém digno de reverencia, respeito e consideração. É um tratamento aplicado a pessoas investidas de dignidade por sua dedicação integral a um serviço destacado e importante. E embora antes o termo fosse aplicado igualmente a autoridades seculares, hoje se aplica somente às dignidades eclesiásticas e aos prelados e graduados das religiões.
Reverendo é, pois, aquele ou aquela que dedica sua vida integralmente ao serviço de Deus e dos outros, promovendo a paz, a justiça, a caridade por todos os meios ao seu alcance. Devido a sua posição de destaque e autoridade, sua palavra é especialmente respeitada e ouvida. Daí o vocativo Reverendo/a que se lhe atribui.
Um dia após a posse do novo presidente dos EUA, Donald Trump o mundo vibrou e estremeceu de respeito e admiração devido à homilia pronunciada pela reverenda bispa episcopal Mariann Edgar Budde, da catedral de Washington. Mariann é bispa de Washington desde o ano de 2011. É conhecida por gestos como o de trocar os vitrais da catedral que homenageavam Robert E. Lee e Thomas “Stonewall” Jackson, dois dos mais altos oficiais do exército pro-escravista confederado durante a Guerra Civil. Em seu lugar foram instalados vitrais projetados pelo artista Kerry James Marshall, conhecido por suas representações cotidianas da vida e da cultura afro-americana.
No culto de celebração da posse do novo presidente, a reverenda Marianne Budde subiu ao púlpito para fazer a homilia. Com voz ao mesmo tempo suave e firme, ao final do sermão, essa mulher de compleição franzina e delicada, declarou com clareza ineludível: “Senhor presidente, quero fazer-lhe um último apelo”. Foi então que falou com força profética na direção contrária ao discurso que o recém-eleito Presidente havia pronunciado no dia anterior.
As consequências das palavras de Donald Trump já se faziam sentir. Ao declarar que daquele momento em diante só existiriam nos EUA dois gêneros: masculino e feminino desencadeou uma onda de medo e terror na comunidade LGBTQIA+. Membros desse coletivo passaram a temer por suas vidas e famílias com filhos e filhas homossexuais sentiram-se igualmente ameaçadas. Quanto aos migrantes, diante da declaração do recém-empossado presidente de deportar um milhão deles e tomar várias medidas restritivas com relação inclusive aos já residentes no país vindos de outras nações, começaram a experimentar desassossego, insegurança. Famílias temem ser separadas com a deportação de alguns de seus membros. Todos os migrantes se assustam diante da vaga e pouco fundamentada acusação de Trump de serem criminosos que invadem os EUA para matar, roubar etc.
O coração sensível e compassivo da bispa Budde transbordou em palavras e expressou tudo isso com serenidade e clareza ao presidente. Disse-lhe de sua responsabilidade por haver sido escolhido por milhões de estadunidenses. Essa multidão de pessoas havia depositado sua confiança em sua pessoa e gestão, dando a ele seu voto.
Na linhagem dos maiores profetas e profetisas bíblicos, Mariann sem levantar em nenhum momento o tom de voz, recordou a Trump suas próprias palavras no dia da posse quando disse haver sentido a presença e a benção de um Deus providencial e amoroso. E pediu: “Em nome do nosso Deus, senhor Presidente, tenha misericórdia. “
A voz da bispa pediu com coragem, respeito e tranquilidade que o primeiro mandatário da nação mais poderosa do mundo exercesse seu mandato com misericórdia. Misericórdia para com os migrantes que realizam os serviços humildes que muitos não aceitam fazer: limpando prédios, trabalhando à noite em hospitais, lavando louça em restaurantes enfim trabalhando como pessoas honestas. Não se trata de criminosos. Misericórdia igualmente para aqueles e aquelas que desde sua diversidade sexual passaram a ter medo de viver no país e ser atacados de uma ou outra forma.
Assim falando para edificação de uns e irritação de outros, a bispa recordou que o Deus que o presidente havia sentido como benção e amor providente também era o seu. “Nosso Deus nos ensina a ser misericordiosos com o estrangeiro, porque todos fomos alguma vez estrangeiros nesta terra”. Relembrou assim a identidade do povo estadunidense, formado em sua totalidade por estrangeiros que migraram e ali chegaram desde o início e até agora. Ela mesma com raízes na Escandinávia enquanto o presidente é filho de alemão com escocesa.
Com absoluta dignidade e unção, a reverenda bispa Mariann Edgar Budde interpelou o homem mais poderoso do mundo em nome de Deus. Relembrou que a misericórdia é o outro nome desse Deus que se revelou como amor criador, encarnado e vivificador. A misericórdia é o traço característico do verdadeiro líder, que deve honrar a dignidade de cada ser humano por ser filho de Deus.
No dia seguinte ao que o mundo tremeu de medo diante de um futuro que se descrevia como sombrio e ameaçador, uma mulher tomou a palavra com fé e coragem. Falou em nome de Deus, movida pelo Espírito de Deus. Pediu misericórdia. E reacendeu a esperança nos corações e nas mentes dos que sofriam cabisbaixos e trêmulos.
Deus a abençoe, reverenda Mariann Budde. Receba nossa reverencia e nossa mais profunda admiração.