ARTIGOS
Bolsonaro réu?
Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS
Publicado em 20/02/2025 às 07:59
Alterado em 20/02/2025 às 07:59

O poder é inebriante. Ele faz de seus titulares seres todo-poderosos, intangíveis, como se fossem super-homens. São bajulados, adulados, enfim, tratados como verdadeiras potestades. Mas o poder é efêmero, e cedo ou tarde a fatura chega.
É o caso do ex-presidente Bolsonaro. Durante sua presidência, o “imbrochável” gozou das benesses do poder, tratado como o genuíno líder da direita conservadora, como defensor da pátria e da família, como o último bastião da moralidade. Nesta condição, sonhou materializar um golpe de Estado, pelo qual, em glória, seria reconduzido à presidência, cercado por honras militares e pelo amor de seus admiradores.
O sonho acabou! Derrotado nas urnas, Bolsonaro viu Lula regressar ao Planalto, passou a ser investigado pela Polícia Federal e, agora, denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), por tentativa de golpe de Estado.
As acusações são robustas. Segundo a PGR, Bolsonaro encabeça um núcleo golpista, também formado por raposas felpudas como os oficiais-generais Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier, os delegados Alexandre Ramagem e Anderson Torres, e o sempre presente Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente. Segundo a PGR, este núcleo tomava as principais decisões e moldava as ações a serem tomadas.
É de domínio público que Bolsonaro jamais nutriu apreço pela democracia. Já em sua vida na caserna, o futuro capitão-presidente foi useiro e vezeiro em tramar contra a ordem estabelecida. Posteriormente, em suas três décadas como parlamentar, proferiu despautérios como “Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção”, “Sou favorável à tortura” e “Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil”. Por fim, já na presidência, vociferou que “Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as suas Forças Armadas” ou “Só Deus me tira daqui”.
Segundo a PGR, Bolsonaro estava disposto a passar das palavras para a ação. Os crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado, dentre outros, que lhe são imputados, são graves. Eles são particularmente legitimados pelo discurso golpista que Bolsonaro alimentou desde 2021, quando passou a atacar sistematicamente a institucionalidade democrática, as decisões dos tribunais superiores e o sistema de votação eletrônica.
Há farta materialidade na denúncia da PGR. Da “minuta do golpe” à delação premiada de Mauro Cid, passando por gravações, conversas de WhatsApp, até chegar aos “acampamentos golpistas” ou o plano de matar Lula e Alexandre de Moraes, o Xandão, tudo teria a participação direta do capitão-presidente.
Em face da denúncia, as hostes bolsonaristas já se movimentam. Enquanto Eduardo Bolsonaro busca articular com os Republicanos uma investigação no Congresso Americano contra supostas ilegalidades cometidas por Moraes, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, os novos presidentes da Câmara e do Senado, parecem trabalhar silenciosamente pela anistia em favor daqueles que participaram dos atos golpistas de 08 de janeiro. Além disso, a máquina de desinformação bolsonarista opera diuturnamente para deslegitimar a denúncia da PGR, desmoralizar o Supremo e enfraquecer o governo Lula, cuja crise de popularidade é preocupante.
De todo modo, o destino de Bolsonaro está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). Afinal, cabe à Suprema Corte decidir se aceita a denúncia da PGR, transformando Bolsonaro e os demais indiciados em réus. Pela teor das denúncias, expostas em mais de 270 páginas, é provável que seja aberta uma ação penal. Do ponto de vista de um processo regular, talvez houvesse um prolongamento das decisões do STF. Todavia, tendo em vista o calendário eleitoral de 2026, é possível que tudo se precipite. E esse é o principal risco.
Como mostraram os processos da Lava-Jato, a sanha condenatória, além de potencialmente injusta, na medida em que cerceia a defesa dos réus, tende a produzir resultados jurídicos imperfeitos, posteriormente anuláveis. Além disso, o Sistema Judicial, das polícias ao Supremo, não pode ser utilizado como instrumento de persecução política, ainda que sob o argumento de defesa da democracia. Há que se ter reserva, há que se observar o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Réus, quaisquer que sejam, não podem ser julgados como se culpados fossem. Ninguém pode ser condenado pela mídia ou pelas redes sociais. A institucionalidade democrática exige prudência, para que o Direito caminhe com a Justiça, binômio vital para qualquer democracia.
Lier Pires Ferreira,
PhD em Direito. Pesquisador do NuBRICS/UFF
Renata Medeiros,
Mestre em Ciência Política. Advogada.