ARTIGOS
Francisco: a graça e o agradecimento
Por MARIA CLARA BINGEMER
Publicado em 15/03/2025 às 16:49
Alterado em 15/03/2025 às 16:49
Há 12 anos atrás um cardeal argentino apareceu no balcão do Vaticano e deu uma reviravolta na Igreja e no Papado. Quando o cardeal decano comunicou que havia motivos para grande alegria porque tínhamos um Papa, em todo o mundo houve expectativa e respiração suspensa. Quem seria?
E apareceu Francisco, vindo do fim do mundo, dando boa noite e comunicando ser o recém-eleito bispo de Roma. Todos esperavam a benção e ele inverteu as coisas, como gosta de fazer: pediu ele ao povo que rezasse e o abençoasse. Os que ouvíamos essa boa notícia sentíamos que ali estava uma graça imensa dada à Igreja e que iria desdobrar-se e explicitar-se nos próximos dias, meses e anos.
Essa experiência completa 12 anos. Fomos de surpresa em surpresa os que já se haviam resignado a encontrar no novo que se anunciava como grande alegria apenas uma repetição. Mais do mesmo. Nada mais contrário ao que tem sido a constante revelação de um Papa extremamente humano e cálido. Firme e forte no que deve ser, sobretudo quando se trata de defender o Evangelho anunciado aos pobres. Suave e carinhoso quando se encontra com situações de desamparo, sofrimento, vulnerabilidade.
Francisco tem sabido quebrar protocolos sem desestabilizar a instituição que preside. Fala com o frescor da proximidade e do carinho e privilegia a misericórdia sobre toda e qualquer outra coisa. Traz de volta a recente história da Igreja, o Vaticano II e sua recepção inculturada sobretudo nas latitudes onde ainda há pobreza, injustiça e opressão. E apresenta o modelo da sinodalidade como o verdadeiro modo de toda a Igreja ser: à escuta, dialogando no Espírito, buscando consensos e discernimento para seguir o caminho e a vocação que o Senhor apresenta.
Durante 12 anos nos percebemos longe de uma Igreja dura e pesada A liderança do Papa do fim do mundo foi se revelando aberta, disponível para escutar jovens e anciãos, crianças e adultos, cientistas e mendigos, migrantes e monarcas. Um vocabulário novo foi criado> E todos nos sentimos subitamente à vontade dentro desta linguagem>
Quem hoje não entende o que significa “cultura do encontro” como a verdadeira vocação da humanidade? Quem na Igreja não se sente mobilizado a viver “em saída”, disposto à missão, ainda que isso implique cansaço, luta e ferir-se e machucar-se pelos caminhos?
Quem leu maravilhado a encíclica “Laudato Si” de 2015 nunca mais pensará que preocupar-se com ecologia é somente cuidar do próprio jardim. O Papa Francisco deixou bem claro que justiça social e justiça ambiental andam juntas. E que as primeiras e principais vítimas da crise climática são os pobres.
Quem não conseguia entender o porquê da Igreja hoje se preocupar com questões políticas e sociais aprendeu com a encíclica “Fratelli Tutti” de 2020 que é preciso sair da lógica do sócio, que só se relaciona por interesse e passar para a lógica do irmão que gratuitamente entra em diálogo e escuta e acolhe.
No momento mais grave que a humanidade viveu nos últimos tempos, quando todos em casa, confinados pelo vírus da CoVID-19, não sabiam até quando continuariam vivos, Francisco caminhou sob chuva e frio, sozinho pela Praça de São Pedro. Ali, o alegre anúncio do momento de sua eleição foi solidariedade grave e profunda com a humanidade sofredora. Relembrou-nos que não estávamos à deriva, porque o Mestre continuava na barca e a ele até os ventos e o mar obedecem. Devolveu a esperança aos caídos e desanimados que há meses só respiravam morte e medo.
Na Jornada Mundial da Juventude, cantou e alegrou-se com milhares de jovens, ensinando que a Igreja é de todos, todos, todos. Ninguém pode dela ser excluído, pois qual a mãe que rejeita os filhos, sobretudo os que estão mais tristes e combalidos? Declarou claramente que se alguém não vivia estritamente segundo os cânones da Igreja, quem tem o direito de julgar? Não Francisco, não o Papa da misericórdia e dos braços abertos.
Quanta graça, em torrente caudalosa, derramou o Espírito Santo sobre a Igreja e a sociedade por meio deste Papa que veio do fim do mundo! Quanto respeito gerou mesmo em pessoas e grupos não crentes nem católicos! Intelectuais ilustres leram seus textos e os discutiram! Grandes artistas acorreram a suas convocações e se sentiram inspirados por sua figura e suas palavras!
Hoje, 12 anos depois, Francisco se encontra hospitalizado, recebendo tratamento para um problema em seus pulmões. Esses pulmões que tanto respiraram as lufadas fortes da Ruah divina, do sopro inesgotável do Espírito necessitam ser tratados e ajudados para continuar trabalhando.
O Papa que acompanhou o mundo inteiro agora é acompanhado pelo carinho deste mundo. Crianças lhe enviam desenhos e mensagens, a multidão que vibrou na Praça de São Pedro com a notícia de sua eleição agora chora e reza por sua cura e restabelecimento. No mundo inteiro espera-se todos os dias notícias sobre sua saúde.
É tempo de muito agradecimento. Obrigada, Francisco, por reconduzir nossa Igreja à fonte cristalina e inesgotável do Evangelho. Obrigada por ensinar-nos a todos a primazia ineludível da misericórdia. Obrigada por nos mostrar o rosto humano do ministério e do magistério, advertindo que ambos são serviço gratuito e alegre. Obrigada por sua vida, por sua criatividade, por seu serviço. Neste aniversário de seu pontificado louvamos a Deus pela graça que nos deu com você. E agradecemos a você pelo legado que nos oferece e o testemunho fiel que nos dá.
Maria Clara Bingemer. Professora do departamento de Teologia da PUC-Rio