Lula precisa ser claro sobre Venezuela; o PT não é o governo
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É um ultraje às tradições de cautela e equilíbrio da diplomacia brasileira a Nota da Executiva Nacional do PT, na qual, apressadamente e sem maiores consultas às bases do próprio partido, na tarde desta segunda-feira, 29 de julho, quando eram crescentes as restrições dos países democráticos ao processo eleitoral da Venezuela, saudou “o povo venezuelano pelo processo eleitoral ocorrido no domingo, dia 28 de julho de 2024, em uma jornada pacífica, democrática e soberana”.
Todos sabiam que o processo eleitoral para a nova reeleição de Nicolás Madura era viciado e alijou os candidatos mais fortes ao longo do processo. Pior, na nota do PT, foi logo em seguida reconhecer a suspeitíssima neutralidade do Conselho Nacional Eleitoral. “Temos a certeza de que o Conselho Nacional Eleitoral, que apontou a vitória do presidente Nicolás Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela”.
Para coroar o jogo de faz de conta, a Nota do PT acrescenta ser “Importante que o presidente Nicolás Maduro, agora reeleito, continue o diálogo com a oposição, no sentido de superar os graves problemas da Venezuela, em grande medida causados por sanções ilegais". Como pode o PT declarar “reeleito” o ditador Maduro, se os números oficiais com as atas das urnas não foram divulgados?
Enquanto o PT passava o pano na farsa de Maduro, que utilizou a nota do partido como se fosse endosso do Brasil, os principais países latino-americanos governados por lideranças da esquerda, como Gustavo Prieto, da Colômbia, Daniel Boric, do Chile, e até o populista Lopes Obrador, do México, faziam duras restrições ao processo eleitoral e não reconheciam o resultado pela falta de transparência na apuração. Até um líder da dimensão do ex-presidente do Uruguai, José Mojica, cobrou lisura de Maduro.
O presidente Lula errou no ano passado ao relativizar a "democracia" da Venezuela. Foi percebendo ao longo de várias medidas restritivas que a tal "democracia relativa" não passava de uma ditadura descarada, que mais uma vez usou a farsa de uma eleição viciada para se eternizar no poder. De pouco adiantou participar do Acordo de Barbados, no final do ano passado, tendo como representante brasileiro o assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim.
Amorim, que intermediou contatos entre o governo Maduro e a oposição, acompanhou a votação em Caracas, onde atuou como espécie de avalista de um processo com um mínimo de equidade. Percebeu que o Acordo de Barbados, no qual o Brasil fazia dobradinha com os Estados Unidos, foi passado nas barbas de todos por Maduro. O ditador teve a cara de pau de informar, na manhã desta segunda-feira (29), que tinha sido eleito para mais um mandato com 51,2% dos votos. É muita desfaçatez. Na noite de domingo, os mesmos 51,2% eram dados como o resultado parcial, contra 44% de votos para Edmundo González, da oposição.
Todo o esforço do presidente Lula de recuperar o protagonismo do Brasil nos fóruns mundiais não pode ser jogado no descrédito pela farsa de Maduro que o PT procura legitimar. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que ligou nesta terça-feira para Lula, deve ter procurado saber, afinal, qual era a posição brasileira em relação ao atropelo da democracia e do Acordo de Barbados em Caracas. A rigor, só dois países das Américas - Nicarágua e Cuba, conhecidas ditaduras - acolheram o processo eleitoral da Venezuela.
Eleito com muito mais votos do que os dos eleitores do PT, o presidente Lula ainda está em tempo de reiterar ao mundo e ao povo brasileiro sua posição a favor da democracia. Biden e a comunidade internacional reconheceram rapidamente a eleição de Lula em 30 de outubro de 2022. Mas o processo eleitoral brasileiro só foi posto em dúvida pelo então presidente Jair Bolsonaro, que sabendo que iria perder desde maio daquele ano, espalhou freneticamente “fakes news” e afirmações erradas para justificar o golpe que fracassou em 8 de janeiro de 2023.
O presidente Lula não pode ficar em cima do muro na questão da Venezuela. Tem de ser claro. Usar o PT para reconhecer Maduro é manobra bananeira que não faz jus à diplomacia brasileira.
O PT não é porta-voz do governo.