Depoimento fardado e movimentação milionária recolocam ex-ajudante de Bolsonaro na boca do furacão
Tenente-Coronel Mauro Cid, com ganhos mensais de R$ 26 mil, movimentou R$ 3,2 milhões em seis meses; valor é equivalente a 10 anos de trabalho
A suposta fraude nos cartões de vacinação e as conversas de teor golpista interceptadas pela Polícia Federal não são as únicas preocupações do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Preso em maio por causa das adulterações e intimado para prestar esclarecimentos na CPI do Golpe, o militar voltou aos noticiários em decorrência de uma movimentação “atípica” e “incompatível” em suas contas bancárias.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro, destacou que encontrou nas contas de Cid indícios de “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, atividade econômica ou a ocupação profissional e capacidade financeira do cliente” e “transferências unilaterais que, pela habitualidade e valor ou forma, não se justifiquem ou apresentem atipicidade”.
Ao analisar as transações financeiras de Cid, o Coaf registrou que o militar movimentou R$ 3,2 milhões em seis meses - de 26 de julho de 2022 a 25 de janeiro de 2023. Nesse período, ele registrou operações de R$ 1,4 milhão em débitos e R$ 1,8 milhão em créditos. Militar da ativa, o tenente-coronel recebe mensalmente uma remuneração de R$ 26.239. O valor movimentado retrata a soma de 10 anos de trabalho.
“Considerando a movimentação elevada, o que poderia indicar tentativa de burla fiscal e/ou ocultação de patrimônio e demais atipicidades apontadas, comunicamos pela possibilidade de constituir-se indícios do crime de lavagem de dinheiro ou com ele relacionar-se”, diz trecho do relatório.
Procurado, o advogado Bernardo Fenelon, que defende Cid, afirmou que "todas as movimentações financeiras do tenente-coronel, inclusive aquelas referentes a transferências internacionais, são lícitas e já foram esclarecidas para a Polícia Federal". O criminalista ainda pontuou que "todas as manifestações defensivas são apenas realizadas nos autos do processo".
Mesmo que todas as transações sejam lícitas, Cid tem outros problemas para se preocupar: o fato de ter ido ao Congresso Nacional fardado, durante a CPI do Golpe, é outra pedra no sapato. Nesta quinta-feira (27), o Ministério Público Militar (MPM) solicitou que o Comando do Exército Brasileiro explique, em até dez dias, a suposta orientação para que Cid comparecesse uniformizado.
A decisão do MPM atende à representação enviada pela deputada Luciene Cavalcante (PSol-SP). O procurador-geral Clauro Roberto de Bortolli entendeu que a ida de Cid fardado para oitiva que investiga envolvimento em crime pode vincular a imagem das Forças Armadas a atos ilícitos.
“O uso da farda pelo tenente-coronel o coloca como representante das Forças Armadas em depoimento como testemunha por envolvimento em um crime, maculando a imagem da instituição. Conforme o requerimento de convocação aprovado na CPMI, anexo, a justificação para a presença do tenente-coronel não envolve o Exército, mas apenas as suas condutas individuais, não tendo motivo para a orientação do uso da farda, portanto”, consta no ofício.
As investigações
Dentro da Polícia Federal, há apurações em andamento que buscam rastrear o dinheiro movimentado nas contas de Cid. A PF analisa a existência de um suposto esquema de pagamento de despesas pessoais do então presidente Jair Bolsonaro e de sua mulher, Michelle Bolsonaro, por meio de recursos públicos.
Uma das linhas de investigação apura se Cid seria o responsável por coordenar essa operação. Como ajudante de ordens, ele era responsável por cuidar das contas pessoais do ex-presidente e seus familiares. Investigadores também miram as remessas feitas por Cid ao exterior.
Mauro Cid também está preso preventivamente em um batalhão do Exército desde o dia 3 de maio após ser alvo de uma operação da PF que investiga supostas fraudes no cartão de vacinação de Bolsonaro e de pessoas ligadas a ele. A apuração aponta que dados falsos foram inseridos nos documentos do ex-presidente e familiares
Ainda, no celular de Cid, a PF encontrou ainda arquivos que reforçam a existência de uma trama golpista no entorno do então presidente, o que incluiu um documento apócrifo com uma declaração de estado de sítio, salvo pelo oficial em seu telefone após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição do ano passado.