Relatórios da Abin mostram que ex-presidente Bolsonaro escondeu dados da Covid-19 durante seu mandato

Mais de mil relatórios da Abin e do GSI ficaram sob sigilo e alertavam sobre alta da Covid-19, crise política e vacinas

Por GABRIEL MANSUR

Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escondeu as projeções e mortes e casos da pandemia da Covid-19 durante seu mandato. A informação foi revelada pelo jornal Folha de S. Paulo.

De acordo com a reportagem, agentes de inteligência do governo elaboraram mais de mil relatórios sobre a epidemia enquanto o ex-capitão optava por mostrar caixas de cloroquina para emas e boicotava medidas de combate à Covid-19 e o acesso às vacinas. Postos sob sigilo, os relatórios em questão foram produzidos por pelo menos um ano, de março de 2020 a julho de 2021. O material tem folhas com carimbos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ou sem identificação de autor.

Os documentos reforçam que Bolsonaro ignorou, além das recomendações do Ministério da Saúde, as informações que eram levantadas por agentes de inteligência e dentro do próprio Palácio do Planalto.

Os documentos recomendam o distanciamento social e a vacinação como formas efetivas de controlar a doença, trazem estudos que desaconselham o uso da cloroquina, alertam sobre possibilidade de colapso da rede de saúde e funerária no Brasil e reconhecem a falta de transparência do governo Bolsonaro na divulgação dos dados da pandemia da Covid-19.

“Estudos recentes realizados em pacientes com Covid-19 que usaram esses medicamentos identificaram graves distúrbios do ritmo cardíaco, em alguns casos fatais, particularmente se utilizados em dosagens altas ou em associação com o antibiótico azitromicina”, afirma relatório de 23 de abril de 2020, acessado pela Folha de S.Paulo.

Veja os superiores da Abin e GSI à época:

  • à frente da GSI, o general Augusto Heleno;
  • à frente da Abin, o atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ);
  • à frente do MS, foram quatro: Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga.

As estimativas feitas pela Abin nos documentos se aproximaram dos dados registrados no país nos períodos em questão, mas houve casos em que a pandemia superou a expectativa dos estudos: em abril de 2021, o pior cenário analisado esperava mais de 338 mil mortos, mas o número foi superior a 341 mil.

Os relatórios ainda reconhecem falta de transparência do governo Bolsonaro na divulgação dos dados da pandemia, além de lentidão do Ministério da Saúde para definir estratégias de testagem e combate à doença.

Segundo a Folha, que obteve os dados após solicitações via Lei de Acesso à Informação (LAI), a maior parte dos relatórios projeta três cenários de avanço de casos e mortes pela Covid no Brasil, do mais ao menos grave, para cerca de duas semanas seguintes.

Ao menos 18 relatórios elaborados nos primeiros meses da crise citam risco de "colapso" em diversas regiões do Brasil. Outros 12 documentos de maio de 2020 afirmam que o Brasil não havia atingido o pico da doença.

O documento ainda citou risco de boicotes internacionais ao país e disse que a Saúde ainda não havia publicado "padrões técnicos" para combate e avaliação da pandemia nos estados e municípios.

Alguns dos relatórios alertam para o desgaste político da má gestão federal na pandemia. Em documento de 19 de maio de 2020, os agentes afirmam que prováveis falhas no sistema funerário poderiam "acarretar graves consequências sociais, impactando a percepção sobre as ações estatais de enfrentamento à pandemia e, no limite, a própria confiança da população no Estado".

Em 7 de junho, um "briefing" não assinado diz que a decisão do Ministério da Saúde de esconder dados da Covid-19 "gerou desgaste na imagem do ministério e do governo federal".

"A consequência desta situação específica é o ministério perder espaço político e controle das informações prestadas e, com isso, há redução na transparência dos dados brasileiros, o que dificultaria a tomada de decisão nos estados e a adoção de ações e políticas para refrear a epidemia no país", disse o relatório.

Os papéis da Abin não foram entregues à CPI da Covid. A comissão chegou a solicitar previsões feitas pelo governo sobre a pandemia, mas recebeu apenas análises da Saúde sobre o cenário do momento.