Fazendas de Arthur Lira, hoje avaliadas em R$ 16 milhões, nunca foram declaradas à Justiça, diz site

Legislação eleitoral exige que todo candidato apresente a declaração de bens e valores que compõem o seu patrimônio para concorrer a um mandato

Por GABRIEL MANSUR

[Arthur Lira] Fazendeiro próspero

O deputado federal Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara dos Deputados e considerado um dos homens mais poderosos da República Federativa, talvez só abaixo do presidente Lula (PT), comprou quatro fazendas em Pernambuco, entre 2004 e 2006, por quase R$ 5 milhões (cerca de R$ 16 milhões, em valor atual, conforme correção pelo IGP-M). Na época, o chefão do Centrão era um "mero" deputado estadual em seu domicílio eleitoral, Alagoas.

As aquisições por si só já chamam atenção, uma vez que os valores - bem elevados - não condizem com os ganhos anuais de um servidor do legislativo estadual. Mas outra questão obscura em relação a essas compras específicas é que nenhuma dessas propriedades consta na declaração de bens entregue por ele à Justiça eleitoral em 2006. Na época, foram declarados pelo deputado R$ 695.901,55.

Documentos obtidos pelo site "Congresso em Foco" em buscas realizadas em Pernambuco e Alagoas revelam que ao menos R$ 3,7 milhões foram pagos em “moeda corrente” – termo utilizado pelos cartórios, segundo a Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), para se referir à moeda do país, no caso, o real. Não há especificação, nos papéis, se o montante foi pago em dinheiro vivo, cheque ou transferência bancária.

Desde 1997, a legislação eleitoral exige que todo candidato apresente a declaração de bens e valores que compõem o seu patrimônio para concorrer a um mandato, seja para o Executivo ou Legislativo, que é o caso de Lira. Em tese, a exigência legal torna o processo mais transparente e coíbe o enriquecimento ilícito.

Na prática, porém, a realidade é outra: muitos candidatos omitem da Justiça Eleitoral imóveis e outras propriedades, impedindo o eleitor de fiscalizar sua evolução patrimonial e abrindo margem para eventuais questionamentos sobre a origem desses recursos.

A reportagem procurou a assessoria de Lira para que ele pudesse esclarecer o motivo de não ter declarado esses bens. A resposta veio após a publicação: em nota, a assessoria informou que “todo o patrimônio do deputado Arthur Lira encontra-se devidamente declarado à Receita Federal e à Justiça Eleitoral, fruto do sucesso na gestão de sua atividade agropecuária”.

Segue a resposta: "No mais, alguns questionamentos se mostram improcedentes, requentados, vazados de ações em segredo de justiça, e já foram analisados pela Justiça competente, que deu ganho de causa ao deputado, inclusive determinando não mais sua veiculação em qualquer meio, por se tratar de assunto analisado e comprovadamente inverídico. Além disso, a exposição de tais fatos só atentam contra a honra do deputado e ferem a decisão já proferida no Judiciário. Assim, esperamos que mais essa decisão da Justiça seja cumprida".

Pantaneiro e Estrela

Comprada por R$ 1.901.554,82, a fazenda Pantaneiro foi quitada em cinco parcelas, segundo documento anexado em um processo em que Lira é réu ao qual o Congresso em Foco teve acesso. A primeira parcela foi paga em 19 de julho de 2004, no valor de R$ 679 mil. A última, em 30 de julho de 2005, foi no valor de R$ 253 mil, conforme recibo de pagamento em nome de Lira.

Antes mesmo de terminar de pagar pela Pantaneiro, o então deputado estadual fez outra aquisição: a fazenda Estrela. Um recibo registrado em cartório, que integra um dos processos em que Lira é réu – e que tramita em segredo de Justiça – mostra que a propriedade foi comprada por ele em 7 de julho de 2005. Pela fazenda, o parlamentar pagou R$ 1,084 milhão, de acordo com o documento, sendo que R$ 150 mil foram entregues no “ato do contrato”.

Uma das parcelas, no valor de R$ 300 mil, foi quitada com a entrega de um apartamento. O imóvel foi comprado por Lira por meio de uma negociação feita com uma construtora em 31 de julho de 2003, conforme documentos assinados pelo parlamentar obtidos pela reportagem. Os apartamentos ficam no Edifício Mirai, erguido em área nobre de Maceió.

Esse imóvel em especial também nunca apareceu nas declarações de bens do deputado à Justiça eleitoral, apesar de seu advogado à época, Fábio Ferrario, ter dito em processo que o apartamento fazia parte de um conjunto de oito unidades recebidas pelo então deputado estadual de uma construtora.

Taquari e Samambaia

Em 10 de abril de 2006, Lira comprou a Fazenda Taquari, em Pernambuco, por R$ 1,23 milhão. Uma das parcelas, também no valor de R$ 300 mil, foi quitada com a entrega de outros desses oito apartamentos. Ainda um terceiro apartamento da construtora foi usado para quitar parte de outra fazenda comprada pelo presidente da Câmara, localizada em Quipapá (PE): a Samambaia.

Essa propriedade teve a compra assinada por Lira em 14 de abril de 2006, apenas quatro dias após ele ter adquirido a Taquari no mesmo estado. Lavrado em cartório, o documento afirma que Lira pagou, “em moeda corrente”, R$ 300 mil no ato da assinatura do contrato:

“Recebe, neste ato, das mãos do prometido comprador, em moeda corrente, a quantia de R$ 300.000,00. Que contou, achou certo e guardou, dando a este comprador (Arthur Lira), quitação irrevogável desse recebimento”.

Em um processo judicial no qual defendia Lira, Ferrario admitiu, em abril de 2007, que a fazenda Taquari pertencia ao deputado desde antes da eleição de 2006.

“Esse imóvel, não se nega, foi indiscutivelmente adquirido pelo senhor Arthur Lira em 10 de abril de 2006”, afirmou o advogado na defesa.

Ferrario é, desde julho de 2022, desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Ele ingressou no Tribunal de Justiça de Alagoas pelo critério do Quinto Constitucional, em vaga destinada à indicação feita pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AL). Procurado pela reportagem, o desembargador disse que é impedido, legalmente, de se manifestar sobre processo por não exercer mais a advocacia.

Em um dos processos aos quais o Congresso em Foco teve acesso, o advogado também escreveu, em 2007, que a Samambaia pertencia, então, ao pai de Lira, Benedito de Lira. Ex-senador e ex-deputado federal, Benedito é hoje prefeito de Barra de São Miguel, na região metropolitana de Maceió.

Omissão da Justiça eleitoral

Embora tenham sido compradas antes da eleição de 2006, nenhuma das fazendas apareceu na declaração de bens entregue pelo então deputado estadual à Justiça eleitoral naquele ano. Delas, apenas a Taquari foi declarada – ainda assim, a partir de 2014, quando Lira se elegeu para o segundo mandato de deputado federal.

De acordo com o advogado e ex-juiz eleitoral Márlon Reis, a não declaração de bens por qualquer candidato poderia ensejar a abertura de processo por falsidade ideológica eleitoral. Mas, na prática, o jurista reconhece que essa não tem sido a postura da Justiça brasileira. A exigência de declaração patrimonial está prevista no artigo 350 do Código Eleitoral.

“Ele fala de falsidade ideológica eleitoral, o que atinge todas as declarações falsas prestadas à Justiça eleitoral, o que inclui a intimação relativa aos bens”, explica Márlon. “Esse dispositivo, porém, nunca foi utilizado com essa finalidade, infelizmente”, lamenta.

Para ele, a legislação deveria exigir dos candidatos que declarassem à Justiça eleitoral todos os bens informados à Receita Federal, cujos dados hoje são protegidos por sigilo fiscal.

“Não há multa prevista para quem deixa de declarar à Justiça eleitoral. Mas a não declaração desses bens à Receita pode ensejar problemas tributários para o candidato”, destaca o ex-juiz, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.