POLÍTICA

BENEDITA DA SILVA ASSUME DEFESA DAS 'MÃES DE HAIA'

A deputada federal Benedita da Silva, Coordenadora-Geral da Bancada Feminina na Câmara, publica carta em defesa de mães brasileiras que estão tendo seus filhos 'expulsos' do Brasil por conta da Convenção de Haia, da qual o Brasil é signatário. Leia a íntegra do documento

Por JORNAL DO BRASIL
[email protected]

Publicado em 17/08/2024 às 09:36

Alterado em 19/08/2024 às 09:44

A deputada Benedita da Silva Foto: divulgação

'Impacto da Convenção de Haia para mulheres e crianças vítimas de violência no exterior'

"A Secretaria da Mulher, como “órgão político e institucional que atua em benefício da população feminina brasileira” (Art. 20-A, RICD), tem recebido, desde sua instauração, inúmeras denúncias de violência doméstica sofrida por mulheres brasileiras que vivem no exterior e que não dispõem de rede de apoio onde residem. Juntamente com os relatos de violência, há também muitos relatos de agressões físicas e sexuais às crianças, frutos dos relacionamentos delas com estrangeiros.

Cientes das disposições presentes na Convenção de Haia, da qual o Brasil é signatário desde 2000, algumas mães permanecem convivendo com o agressor por temerem a perda da guarda de seus filhos, caso voltem para o Brasil com a criança sem a autorização paterna. Outras, se arriscam a voltar para o território brasileiro com seus filhos e acabam criminalizadas como sequestradoras porque tentaram salvar a própria vida e a das crianças.

O movimento “Deixem as crianças no Brasil” (1), promovido por artistas em suas redes sociais nos últimos meses, traz à tona um desses casos, envolvendo três crianças. Os menores, com 8, 10 e 11 anos de idade, vivem há quatro anos com a mãe no Rio de Janeiro, onde já se encontram totalmente adaptados. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, baseado na Convenção de Haia, enviá-los para viver com o pai na cidade de Barranquilla, Colômbia. O pai, Norman Delmas, de nacionalidade paraguaia, está condenado à prisão no Brasil e no Paraguai, e seu pai, Eduardo Delmas, envolvido em processo criminal com o maior cambista preso em Assunção.

O mais grave da decisão é que o menor com 11 anos tem severa paralisia cerebral, e depende completamente dos cuidados da mãe para se alimentar, além de não falar, nem andar. O laudo médico (2) emitido para a justiça determina que o menor corre grande “risco de morte“ durante a viagem de avião que deverá fazer para a Colômbia. Assim, ainda que chegue vivo à Colômbia, esta será uma viagem sem volta para ele. Os médicos também alertaram que a Colômbia não oferece tratamento adequado para o gravíssimo diagnóstico do garoto.

Esta decisão da justiça brasileira ignora a Constituição Brasileira e a própria Convenção de Haia, que afirmam que “a criança deve ser respeitada especificamente em caso de saúde”.

Um levantamento da Rede de Apoio às Vítimas Brasileiras de Violência Doméstica na Europa (Revibra) apontou que quase 98% das mulheres processadas por sequestro internacional dos filhos com base na Convenção de Haia foram vítimas de violência doméstica. Do total de 278 casos, 273 são representativos deste perfil de mães brasileiras migrantes, em posição de serem reconhecidas como sequestradoras pelos genitores (3).

Sendo assim, queremos chamar a atenção para equívocos na aplicação deste acordo internacional em detrimento de outras normas do ordenamento jurídico brasileiro. E mesmo dispondo de exceções ao cumprimento da Convenção no que diz respeito ao retorno da criança ao seu país de origem, essas não têm sido consideradas nas decisões judiciais do País.

A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, conhecida como Convenção de Haia, data de 25 de outubro de 1980, e foi promulgada pelo Brasil por meio do Decreto 3.413/2000 e consiste em uma convenção de direito internacional privado, que consagrou primeiramente entre seus objetivos o restabelecimento do status quo por meio da restituição imediata da criança (4). Entretanto, essa determinação contraria o princípio do melhor interesse da criança previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), da qual o Brasil também é signatário, e no nosso próprio direito interno.

A contradição se expõe no próprio texto da Convenção de Haia, em seu artigo 20, que indica: “o retorno da criança (...) poderá ser recusado quando não for compatível com os princípios fundamentais do Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais". Em consonância, no mês de outubro de 2023, a Comissão Especial para a Convenção da Haia de 1980 e Convenção da Haia de 1996 emitiram conclusões e recomendações que incluem: o reconhecimento que, em regra, os tribunais do Estado de residência habitual da criança estão em melhor posição para determinar o mérito de um litígio sobre a guarda (art. 15); (art. 16) a observação de que o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança reconhece que os objetivos da Convenção de 1980 sobre a Subtração de Crianças - prevenção e retorno imediato - visam proteger o interesse superior da criança.

A Convenção dos Direitos da Criança foi promulgada em 1990, e consiste em um tratado de direitos humanos, ao definir os direitos fundamentais da criança. Enquanto isso, a Convenção de Haia é um ato internacional de cooperação processual que se equipara a uma legislação ordinária, apesar de conter algumas disposições de direitos humanos. Assim sendo, e de acordo com a Emenda 45/2004 à Constituição Federal, tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados no Congresso Nacional serão equivalentes às emendas constitucionais e, logo, prevalecem sobre leis ordinárias.

No ano de 2009, o então partido Democratas (DEM) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 42455 (5), alegando que algumas medidas previstas na norma devem respeitar as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Segundo o partido, a ordem de "retorno imediato" não pode ser uma regra absoluta, mas levar em consideração o melhor interesse da criança. O argumento é de que a convenção vem sendo aplicada de forma equivocada, pois o retorno tem sido autorizado sem investigação prévia sobre as condições da criança e as circunstâncias de sua transferência.

Escrevo tudo isso para pedir apoio na divulgação destes casos com o objetivo de chamar a atenção dos juízes brasileiros sobre argumentos legais que podem e devem ser levados em consideração para que, em primeiro lugar, esteja a integridade física e mental de nossas crianças. Elas não podem ser usadas como instrumentos de vingança ou de perseguição a mães que não encontraram apoio legal e psicossocial nos países onde viviam e que já sofreram tantas outras violências."

Deputada Benedita da Silva
Coordenadora-Geral da Bancada Feminina

 

Notas

(1) INFORME JB (2024). MOVIMENTO 'DEIXEM AS CRIANÇAS NO BRASIL'; 'Justiça brasileira não é justa', diz o ator Tonico Pereira. Disponível em: https://www.jb.com.br/brasil/informe-jb/2024/06/1050396-movimento-deixem-as-criancas-no-brasil-justica-brasileira-nao-e-justa-diz-o-atro-tonico-pereira.html.

(2) INFORME JB (2024). JUSTIÇA 'EXPULSA' 3 MENORES BRASILEIROS DO PAÍS. Disponível em:
https://www.jb.com.br/brasil/informe-jb/2024/06/1050327-justica-expulsa-3-menores-brasileiros-dopais.html.

(3) REVIBRA EUROPA (2023). Dados 2022: Considerações sobre violência doméstica em casos de
subtração internacional (Haia 28). Disponível em: https://www.revibra.eu/publicacoes/consideraes-sobreviolncia-domstica-em-casos-de-subtrao-internacional-haia-28.

(4) SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. A Proteção da Criança e a Convenção de Haia de 1980.
Disponível em: https://www.cjf.jus.br/caju/879.10.14.pdf.

(5) STF (2024). Entenda: STF julga regras de convenção sobre sequestro internacional de crianças.
Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=539637&ori=1.

 

Deixe seu comentário