Pag. 53 - O ano em que a Terra parou - Retrospectiva 2010

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A inda não houve tempo para ruminar e digerir o volumoso documentário da política externa dos Estados Unidos, em sua expressão diplomática e em sua expressão bélica. O soldado Bradley Manning estripou o sistema, revelando a sua contradição essencial: o medo ao mundo e a arrogância de um poder acossado pela História.

Importa menos o que se divulga, e mais o precedente da abertura da arca imperial, com todos os seus segredos.

Alguns deles trazem a carga de crueldade, como no caso da guerra contra o Iraque e o Afeganistão. Outros portam o ridículo em telegramas diplomáticos, ainda que, em alguns casos, sirvam para a precaução, como em certos despachos relativos ao Brasil.

Atribui-se a Samuel Johnson, o grande pensador inglês do século 18, a observação de que não devemos saber como são feitas as leis, nem as salsichas. Nos dois casos, somos acometidos pelos engulhos, sujeitos ao vômito. Em todo o caso, as leis por mais escusas sejam as razões que as suscitam são conhecidas durante o processo legislativo, e podem ser contestadas pela sociedade mobilizada. A ação bélica e diplomática dos estados, com relação aos outros, está sempre guardada a sete chaves.

A rede mundial de computadores é instrumento que tanto pode servir a um fim honrado, como à manifestação do que há de pior nos seres humanos. Enfim, ela serviu para ordenar ataques a povos inermes, caluniar, injuriar, induzir pessoas ao suicídio, cometer crimes, mas está sendo, neste momento, o vento que dissolve as som Maur o Santayana C O L U N I S TA POLÍTICO DO JB bras do poder imperial. Como disse Bradley Manning, se a sociedade mundial não realizar as reformas necessárias (políticas, econômicas e culturais, assim entendemos), a espécie humana estará condenada. Condenada ao desap a re c i m e n t o.

De vez em quando devemos retornar à constatação de que o mundo sempre envelhece. Mundus senescit, como constatou o cronista Fredegario, no século VII, ao empregar a expressão pela primeira vez. O mundo envelhecia, lentamente, mas iria recuperar-se, também lentamente, a partir do século 11, até chegar, com o Renascimento, à Idade Moderna. Uma nova idade espera na coxia do tempo, para entrar em cena.

Por mais evitemos pensar no assunto, devemos nos preparar para defender a soberania nacional (sobre o terri tório, mas, também, sobre a nossa identidade cultural) não só com os argumentos éticos; se for preciso, com as armas, como provavelmente ocorrerá. A revelação de que os Estados Unidos continuam empenhados em que suas companhias explorem o petróleo do pré-sal nos inquieta, como a de que consideram as nossas reservas de nióbio como do interesse de sua segurança nacional. E se, amanhã, no exercício de nossa plena soberania, decidirmos usar o nosso nióbio apenas para atender às necessidades internas? No plano nacional, o mais importante fato foi a eleição de Dilma Roussef, militante da resistência democrática para a chefia do Estado. O Brasil se tornou uma nação madura, não só por escolher uma mulher, mas, por escolher uma biografia.

Giambatista Vicco previu, no século 18, que a tecnologia nos traria de volta à barbárie, mas, se os povos se unirem – o que está ao alcance da vontade dos homens – poderemos salvar a civilização para a solidariedade.