CADERNOB

Moretti busca sua segunda Palma de Ouro

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Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 13/07/2021 às 11:59

Alterado em 13/07/2021 às 11:59

Atriz Alba Rohrwacher em 'Tre Piani' Foto: Fandango/Sacher Film

O diretor italiano Nanni Moretti, com uma obra tão pessoal quanto política, está entre os grandes nomes do cinema europeu. Seu novo filme, “Tre Piani”, teve première mundial como o único representante da Itália na mostra oficial do 74º Festival de Cannes.

O filme, que conta a história de três famílias que moram em um condomínio burguês, é baseado na obra homônima do escritor israelense Eshkol Nevo, que através dos inquilinos de um mesmo prédio em Tel Aviv traça um olhar sobre a sociedade do seu país. Moretti mudou a trama para Roma e, como é usual em seus filmes, aparece em um dos papeis, como um magistrado.

Além de Moretti, o bom elenco inclui, entre outros, Alba Rohrwacher, Elena Lietti, Margherita Buy e Riccardo Scamarcio.

O cineasta volta a disputar o prêmio mais importante de Cannes duas décadas depois de ter apresentado “O Quarto do Filho” (2001), uma história comovente sobre a perda. Além da Palma de Ouro, o filme ganhou, naquele ano, o Prêmio Internacional da Crítica (Fipresci).

É a primeira vez que Moretti adapta uma história de outro autor. Sem a política e o humor, por vezes amargo, que caracterizam suas obras, desta vez ele voltou o foco para o relacionamento humano, se afastando um pouco da marca de trabalhos anteriores.

As cenas iniciais com um nascimento e uma morte dão o tom para as conexões que se estabelecerão entre os vizinhos. O filme segue expondo brigas, mágoas, ressentimentos, reconciliações e, como na vida, as famílias vão se dissolvendo e se reagrupando.

Na conferência de imprensa promovida pelo festival nessa segunda feira (12), Moretti apresentou a equipe do filme com muitos elogios para todos e deu início à sua fala explicando as razões de ter decidido adaptar o livro de Nevo que trata de um tema tão intimista.

“Com a passagem do tempo, eu amo cada vez mais o que faço, mas paixão é importante, mas não é suficiente. Paralelamente, com o correr dos anos, fica mais fácil explicar a razão de certas escolhas: o romance que decidi adaptar aborda alguns assuntos universais como a culpa, a justiça e a responsabilidade. Além disso, nesse filme, eu não queria apenas um protagonista como também não queria cometer clichês nas músicas, na montagem, na fotografia e tampouco nas cenas de sexo. Eu diria que tentei ser realista, mas não naturalista. E não tentei fazer meus atores serem espontâneos porque acredito mais na autenticidade do que na espontaneidade, e esses atores maravilhosos fizeram isso dando vida aos personagens de uma forma bastante autêntica”, ressaltou.

Sobre a inclusão de algumas cenas no filme que não estavam no livro, Moretti explicou que isso se deve ao covid-19.

“Incluímos uma cena de dança externa para realçar o período em que passamos trancados e dentro de nossas casas. A pandemia desmentiu a crença de que podemos viver sem os outros, sem fazer parte de uma comunidade. Assim, achei importante adicionar essa cena, que representa um abrir-se para o externo, para outras pessoas e para o futuro, destacou Moretti respondendo à pergunta sobre se “Tre Piani” poderia ser um resumo de seus filmes anteriores.

“Olhando para os últimos 40 anos, acho que podemos encarar meus filmes como diferentes capítulos de um mesmo romance”, ressaltou o talentoso cineasta de 68 anos.

A Ilha de Bergman como cenário

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Mia Wasikowska em cena do filme 'Bergman's Island' (Foto: Foto: CG Cinéma)

Também teve sua première mundial um dos esperados concorrentes à Palma nesta edição do festival: “Bergman’s Island”, de Mia Hansen-Love, um melodrama com Mia Wasikowska, Tim Roth, Vicky Krieps e Hampus Nordenson, ambientado na ilha de Faro, onde viveu o consagrado cineasta Ingmar Bergman, no final de sua carreira.

Hansen-Love está concorrendo pela primeira vez à Palma de Ouro, embora já tenha participado do evento em 2007 na Quinzena dos Realizadores com seu drama “All is Forgiven”.

“Bergman’s Island” gira em torno de um casal de cineastas americanos que se refugia na ilha durante o verão para escrever os roteiros de seus próximos filmes em um ato de peregrinação ao lugar que inspirou Bergman. À medida que o verão e seus roteiros avançam, a linha entre a realidade e a ficção começa a se confundir com o pano de fundo da paisagem selvagem da ilha.

Na conferência de imprensa dessa segunda feira (12), Hansen-Love contou que a decisão de fazer “Bergman’s Island” se deve, mais que tudo, ao desejo que tinha de escrever um roteiro e dirigir um filme.

“Mas ele realmente começou a tomar forma quando pensei na Ilha de Faro como um possível lugar onde poderia ser ambientado”, acrescentou a diretora respondendo a uma pergunta sobre se a ideia da ilha como locação perfeita para seu filme aconteceu então na primeira vez que esteve lá.

“Em minha primeira visita à ilha de Faro eu já tinha o projeto em mente, mas ainda não estava com muita coisa definida. Eu me perguntava se os aspectos intimidadores da ilha me permitiriam fazer esse filme. Mas o meu primeiro contato com ela foi um momento inesquecível, principalmente porque Hampus (ator Hampus Nordenson) me apresentou a todos os pormenores, o que me inspirou muito. Acho que o filme deve muito a isso”, disse a cineasta expressando o principal significado de fazer algo tão associado a Bergman.

“Eu nunca quis imitá-lo, mas se você olhar para meus filmes anteriores, nossos estilos têm muito em comum. A filmografia de Bergman sempre me impactou e me inspirou muito”, afirmou.

Tim Roth, por sua vez, contou que desde o início de sua carreira assistia aos filmes de Bergman.

“O grupo que eu participava em Londres frequentava assiduamente sessões dos seus filmes. Além disso, nós queríamos trabalhar com ele, imaginando o quanto seria legal atuar sendo dirigido por um cineasta tão brilhante. Quando Mia me mandou o roteiro, eu achei que era uma história extraordinária, bela e mágica. Um conto que se passa no presente, mas também no passado. Passado no sentido do local e de toda a história que ele traz”, lembrou o ator londrino de 60 anos, que já coleciona 106 créditos em sua vitoriosa trajetória.