CADERNOB
Diretora gaúcha fala do seu filme selecionado para Gramado
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
redacao@jb.com.br
Publicado em 14/08/2021 às 13:21
Alterado em 14/08/2021 às 13:21

“A Primeira Morte de Joana”, novo filme da cineasta gaúcha Cristiane Oliveira, terá estreia nacional na mostra competitiva do 49º Festival de Gramado, que começou nessa sexta feira (13).
O filme é a história de Joana (Letícia Kacperski), uma adolescente de 13 anos, cuja vida começa a se transformar a partir da morte de sua tia-avó, de quem ela era muito próxima. Isso acaba refletindo também na relação com sua melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane).
“A Primeira Morte de Joana” traz personagens descendentes dos colonos alemães que se estabeleceram no sul do Brasil no século 19. Joana quer descobrir por que sua tia-avó faleceu aos 70 anos sem nunca ter namorado alguém. Ao encarar os valores da comunidade em que vive no sul do Brasil, percebe que todas as mulheres da sua família guardam segredos, o que traz à tona algo escondido nela mesma.
O filme é o segundo longa-metragem da diretora, que teve muito sucesso com o primeiro, “Mulher do Pai”. Ganhou o prêmio de direção no Festival do Rio, o prêmio da Fipresci (crítica internacional) no Festival do Uruguai, e foi selecionado para a Mostra Generation de Berlim / 2017, onde concorreu ao Urso de Cristal.
Neste seu novo filme, a talentosa cineasta volta a abordar a questão das fronteiras, não apenas da cultura entre países, mas também das fronteiras que criamos em nós mesmos, nas nossas limitações.
Em entrevista exclusiva ao JORNAL DO BRASIL, Cristiane falou sobre o filme, a exibição em vários festivais internacionais e o desafio de trazer o tema para um âmbito universal através de uma história pessoal e localizada.

Qual a principal motivação para realizar “A Primeira Morte de Joana”?
“A Primeira Morte de Joana” surgiu da vontade de investigar como diversas formas de opressão interferem na formação dos nossos afetos, desde cedo. Inspirada por uma personagem real que conheci e faleceu virgem aos 70 anos, nasceu essa história que fala de coragem. Eu convidei a Silvia Lourenço (reconhecida atriz do cinema nacional, mas que também tem uma trajetória como roteirista) para desenvolver o roteiro comigo e juntas criamos a história de Joana, 13 anos, que investiga por que sua tia-avó faleceu sem nunca ter namorado alguém. Na realização, nossa maior motivação foi ampliar o diálogo sobre essas questões para que não se precise mais falar de “coragem” para sermos quem quisermos ser.
O filme já foi mostrado em vários festivais: na Índia, EUA, Estocolmo, Espanha, Alemanha, Itália, Dinamarca... Qual sua expectativa para essa exibição em Gramado?
Gramado este ano será transmitido pela TV, atingindo pessoas que talvez não tenham o hábito de ir ao cinema, o que pode ampliar a visão da população sobre a produção nacional. E torço que o filme desperte diálogos sobre como naturalizamos violências diversas ao longo da nossa formação, enquanto aquilo que é natural muitas vezes é estigmatizado.
“Mulher do Pai” teve uma identificação imediata com os espectadores. O que está acontecendo também com “A Primeira Morte de Joana”. O que acha que traz essa identificação?
Há fatos que se tornam cicatrizes em nossa formação, uma marca aparente que guia o olhar do outro sobre nós. O filme traz momentos assim – que todos vivemos, em especial na adolescência – ao longo da trajetória da protagonista Joana. Acho que essa “sensação” das primeiras vezes é algo que pode conectar as pessoas com o filme. Tendo três gerações de mulheres retratadas, isso também pode ampliar as chaves de identificação com um público mais amplo. De qualquer forma, o que uma obra causa nas pessoas é um mistério, que desejamos muito conhecer sempre que lançamos um novo filme.
Foi difícil trazer esse tema para um âmbito universal através de uma história tão pessoal e localizada? E como bem lembrou o crítico do Le Bleu du Miroir, com uma abordagem impressionista.
Meu processo de criação é de muita pesquisa. Me conecto com pessoas reais que têm um universo parecido com o do filme, procuro ampliar minha visão sobre as histórias dos lugares, até chegar a um ponto que consiga sentir como os personagens. É aí que a primeira versão do roteiro sai fácil e começa a lapidação, o que sempre faço em parceria com outras pessoas. Neste filme, além da Silvia Lourenço, coroteirista, contamos com a colaboração do cineasta Gustavo Galvão e de consultores de roteiro em diferentes etapas do processo de desenvolvimento do projeto – João Nicolau (diretor português), Gualberto Ferrari e Miguel Machalski (consultores de roteiro argentinos) e Claudia Rodrigues (terapeuta que viveu na região retratada).
Quanto à abordagem impressionista, ela se relaciona muito com as forças da natureza que interferem na narrativa (o vento, as lagoas, a mata virgem, o fogo) e a transposição delas para a tela que contou muito com a colaboração do fotógrafo, Bruno Polidoro, e da diretora de arte, Adriana Borba, com suas equipes incríveis, que embarcaram nessa jornada comigo.