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Tréfaut fala sobre ‘Paraíso’, que vai encerrar o IndieLisboa nesta segunda
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
redacao@jb.com.br
Publicado em 06/09/2021 às 06:51
Alterado em 06/09/2021 às 07:10

A história real segue a rotina diária de um grupo de idosos que se encontram nos românticos jardins do local que hoje é um museu. Um dos elos que os une é a música cantada por eles nas tardes de serestas ali realizadas. Há confraternização de aniversário, comemoração de um noivado, mas nem é preciso um motivo específico para que eles comecem a entoar músicas do cancioneiro popular de várias gerações. Entre muitas outras, “Carinhoso”, de Pixinguinha e Braguinha; “Ronda”, de Paulo Vanzolini; “Madalena foi pro Mar”, de Chico Buarque; “Solamente una Vez”, de Agustin Lara; “Feitiço da Vila”, de Noel Rosa e Vadico; “Camisa Listrada”, de Assis Valente; “Nervos de Aço” e “Vingança”, de Lupicínio Rodrigues.
O diretor luso-franco-brasileiro – residente em Portugal e nascido no Brasil, aonde vem frequentemente – ficou sensibilizado com esses encontros e resolveu fazer um filme que teve início antes da chegada do Covid-19. Surpreendido com a pandemia, precisou interromper as filmagens, readaptar o projeto e reunir esforços para terminá-lo, o que felizmente conseguiu.

Tréfaut capta um momento tocante com entornos que passam pela diversidade, resiliência, solidão e descaso na forma como a pandemia foi tratada no Brasil e que afetou profundamente esse grupo. Muitos deles morreram vítimas da pandemia.
“Paraíso” é um relicário não apenas da música popular brasileira, mas de uma geração cuja rotina diária no museu ocupava um espaço especial em suas vidas e que lhes foi subitamente retirado.
Em entrevista exclusiva ao JORNAL DO BRASIL, Tréfaut falou sobre “Paraíso”, relatou a dificuldade de precisar suspender as filmagens por causa da pandemia e resumiu o que quis mostrar com seu comovente filme.
JORNAL DO BRASIL – Poderia falar um pouco sobre “Paraíso”?
TRÉFAUT – “Paraíso” é um filme que retrata uma população idosa no Rio de Janeiro nas vésperas da pandemia. As filmagens foram interrompidas porque a partir de março de 2020 os jardins onde os personagens se reuniam para cantar foram fechados. Todos se trancaram em casa. Algumas das pessoas que filmamos em 2019 ficaram dias na porta de hospitais sem vagas e morreram de covid-19 por falta de tratamento. É algo que aconteceu a milhares de brasileiros.
Foi preciso alterar então o rumo previsto anteriormente para a filmagem?
Durante quase um ano acompanhei as serestas do Palácio do Catete e percebi que aquele encontro musical diário dava significado à vida daquelas mulheres e homens. Muitos tinham finalmente encontrado ali a felicidade, numa idade avançada. Eram personagens de uma grande beleza, simultaneamente anônimas e monumentais. A cada momento revelavam a nobreza, a alegria e a força inesperada dos seres humanos após os 80 anos. As filmagens não tiveram o seu rumo alterado, na verdade elas foram definitivamente suspensas por causa da covid-19. Tive de editar com o material recolhido até fevereiro de 2020 e fiz deste filme a homenagem a uma geração.
Como você resumiria a mensagem que quis passar com o filme?
Eu não acredito muito em filmes com mensagem. Se o querer dizer do autor é demonstrativo, se o filme obedece a uma espécie de programa, para mim deixa de ser cinema. Este filme é um retrato de como era feliz uma geração que ficou subitamente sem presente e sem futuro.